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STF pressionado por questão trabalhista

Foto: Divulgação

Cerca de 200 entidades, incluindo coletivos e organizações de advogados, de juízes trabalhistas, do Ministério Público do Trabalho e seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, realizam na quarta-feira, (28), atos em 34 cidades do país, incluindo 24 capitais, em defesa da Justiça do Trabalho e para reivindicar que o Supremo Tribunal Federal escute os trabalhadores e não esvazie as atribuições da Justiça trabalhista

A iniciativa é a mais recente ação de profissionais e operadores do Direito, além de sindicatos, em resposta à multiplicação de decisões do STF nos últimos anos que têm chancelado a “pejotização” – contratação de trabalhadores como empresas, sem direitos sociais e reconhecimento de vínculos trabalhistas.

Por meio destas decisões, contestadas por especialistas do Direito, o STF tem levado as discussões sobre contratos de trabalho para a Justiça cível e não para a Justiça do Trabalho, que tem a atribuição de analisar as relações de trabalho e vínculos trabalhistas. 

Para o advogado trabalhista e membro da Executiva da Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia (ABJD), Nuredin Allan, as manifestações são uma forma de pressão política para sensibilizar o Supremo. “As decisões do STF tem sido políticas, não técnicas. Tecnicamente, no âmbito jurídico, é uma aberração o que o Supremo tem feito”, afirma o advogado. 

Para ele, o que está em jogo nessa discussão é a prerrogativa de que cabe à Justiça do Trabalho analisar fatos envolvendo relações de trabalho para definir o que se configura vinculo trabalhista e se há eventuais irregularidades na relação trabalhista. Na visão do especialista, o debate tem sido distorcido por meio de recursos chamados de Reclamações Constitucionais, movidos por empresas e empregadores no STF contra decisões da Justiça do Trabalho.  

“Constitucionalmente o STF não pode julgar um caso e dizer o que é ou não é vínculo de emprego, isso é analise de fatos. O Supremo tem atropelado o TST e até outras decisões da Justiça do Trabalho, via de regra, envolvendo vínculos de emprego. A análise do vínculo e fática e é da Justiça do Trabalho”, explica o advogado.  

Novas formas de trabalho 

Para a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, uma das entidades que apoia a manifestação desta quarta, o fato de haver novos modelos de trabalho com o advento de tecnologias, como os aplicativos de entregas, não impede a garantia dos direitos sociais nem a atuação da Justiça trabalhista.  

“O surgimento de novos modelos, possibilitados pela dinâmica do mundo do trabalho, não pode suprimir da Justiça do Trabalho a possibilidade de apreciar e julgar as repercussões ocasionadas por esses novos desenhos. Mesmo quando observada a interpretação literal do referido texto legal, não se permite outra conclusão senão a de que quaisquer controvérsias decorrentes das relações de trabalho, não somente de vínculos de emprego, devem ser apreciadas pela Justiça do Trabalho”, diz a entidade em manifesto divulgado em apoio aos atos desta quarta. 

Especialistas também alertam que, ao decidir que cabe à Justiça comum analisar as relações de trabalho, como se estivesse em discussão apenas uma relação contratual, o STF pode acabar aumentando a precarização das condições dos trabalhadores. O risco está presente uma vez que a Justiça cível parte do pressuposto que as duas partes envolvidas no contrato estão negociando em pé de igualdade, o que não reflete a realidade nos casos de contratos de trabalho, entre um empregador e um empregado. 

Foto: Divulgação

A Justiça do Trabalho, por sua vez, parte da premissa de que a relação entre empregador e empregado sempre tem alguma assimetria e leva isso em conta ao analisar as situações trabalhistas. “Não cabe ao STF, contudo, data venia, agir como propulsor dos agentes econômicos, a partir da premissa velada de que o trabalho sem direitos é melhor do que o desemprego, e, sim, atuar como instrumento do Estado Democrático e Social de Direito, garantidor dos direitos sociais”, diz o manifesto O STF precisa ouvir os trabalhadores, assinado pelas entidades e associações que organizaram os atos desta quarta. 

Até mesmo o tipo de recurso que os empregadores tem utilizado para levar os casos trabalhistas ao Supremo seria inadequado segundo especialistas. Trata-se das chamadas reclamações constitucionais, um tipo de recurso que só pode ser usado em casos muito específicos no Supremo. Na prática, ao utilizar esse mecanismo, os empregadores acabam pulando várias etapas do processo judicial para conseguir uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que é a última instância do Poder Judiciário, ficando acima da Justiça do Trabalho.   

“O Supremo Tribunal Federal tem acolhido essas reclamações, no meu entender, de forma completamente indevida e tem declarado que essas decisões ferem uma decisão do STF, que autorizou a terceirização de forma ampla. Mas isso não tem nada a ver com terceirização, é uma fraude na relação de emprego”, afirma o professor de Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP) Jorge Luiz Souto Maior.   

Caso da Uber

Nesta terça-feira (27), em um julgamento sobre a existência de vínculo trabalhista entre um motorista e o Uber, o recém-empossado ministro do STF, Flávio Dino, entendeu que um caso deveria ter repercussão geral, isto é, criar um entendimento unificado que possa valer para os demais processos do tipo. Ele, na prática, seguiu o entendimento de outro ministro do tribunal, Edson Fachin, que já se manifestou sobre o caso. 

“Há decisões divergentes proferidas pelo judiciário brasileiro em relação à presente controvérsia, o que tem suscitado uma inegável insegurança jurídica. As disparidades de posicionamentos, ao invés de proporcionar segurança e orientação, agravam as incertezas e dificultam a construção de um arcabouço jurídico estável e capaz de oferecer diretrizes unívocas para as cidadãs e cidadãos brasileiros”, destacou Fachin em seu voto, seguido por Dino. 

Foto: Divulgação

Trabalhadores de aplicativos, pesquisadores e sindicalistas ouvidos pelo Brasil de Fato consideram perigoso que o caso tenha repercussão geral. Na prática, se isso ocorrer e o entendimento do Supremo for pela inexistência da relação de emprego, os motoristas e entregadores de app no país não conseguirão mais ganhar ações na Justiça do Trabalho. 

Para Nuredin Allan, o debate sobre a repercussão geral ou não ainda mascara uma outra situação que deveria estar sendo levada em conta pelos ministros da corte, que é o fato de que as reclamações constitucionais não são o recurso apropriado para questionar resultados de julgamentos na Justiça do Trabalho e sequer deveriam estar sendo analisados pelo STF. 

Por Brasil de Fatos

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