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Maria Máxima Pires, uma mulher de luta

A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos homenageou Maria Máxima Pires*¹

Texto de Horácio Antunes Santana Júnior*²

Revisado por Maria Máxima Pires

Maria Máxima Pires nasceu no dia 29 de maio de 1959 na comunidade Rio dos Cachorros, localizada na Zona Rural de São Luís, capital do Maranhão. Com sua mãe e seu pai, avó e avô, tias e tios aprendeu o amor e o respeito pela natureza e pela terra em que nasceu.

Como em Rio dos Cachorros não havia escola, para poder estudar, ainda criança foi morar com sua avó no bairro da Madre Deus, numa localidade chamada Tabatinga. Nesse período, conseguiu uma vaga para estudar no colégio católico Santa Tereza, prestando serviços à instituição. Devido à construção do Aterro do Bacanga, sofreu a sua primeira experiência de deslocamento compulsório. Sua avó, juntamente com toda a família, foi deslocada para o bairro Sá Viana. No entanto, com a criação da Universidade Federal do Maranhão, um novo deslocamento aconteceu e mais uma vez a família de sua avó perdeu seu lugar de moradia. Com afirma d. Máxima, devido aos interesses mais poderosos, “os pobres são impedidos de viver sua vida, depois de adultos, são abortados”. Tendo concluído os estudos básicos e com os sucessivos deslocamentos, d. Máxima voltou a viver na comunidade Rio dos Cachorros, que tanto ama e defende.

Porém, desde o final da década de 1970, com a expansão portuária e industrial de São Luís, as ameaças de perda do território nunca deixaram de rondar sua comunidade e as comunidades vizinhas. Tendo sofrido na própria carne as dores dos deslocamentos anteriores e sentindo as dores de outras comunidades próximas a Rio dos Cachorros, que foram deslocadas compulsoriamente para a instalação da Vale S. A., da Alumar, do Porto do Itaqui e outros grandes empreendimentos industriais e de logística energética e de transporte, d. Máxima se organizou com outras pessoas de referência do Rio dos Cachorros, do Taim, do Porto Grande, do Cajueiro e outras comunidades da Zona Rural e, ainda na década de 1990, em espaços da Paróquia do Bonfim, começaram a se reunir e buscar alternativas para garantir sua permanência no território e, assim, a conservação da natureza e de seu modo de vida.

Depois de muitos debates, busca de conhecer outras experiências e de entender melhor a legislação territorial e ambiental brasileira, as referências das comunidades optaram por reivindicar do Estado brasileiro a criação de uma Reserva Extrativista (Resex), hoje denominada Reserva Extrativista Tauá-Mirim. No ano de 2003, entraram com uma solicitação formal junto ao IBAMA, através de um abaixo assinado realizado pela União de Moradores do Taim. Desde então, esta tem sido uma das principais bandeiras de luta empunhadas por d. Máxima.

Mas, no ano de 2004, uma nova e assustadora ameaça surgiu para as comunidades da Zona Rural de São Luís. Uma empresa de pesquisa começou a fazer levantamentos das casas e terrenos, da quantidade de pessoas por família e das plantações e atividades produtivas. Mais do que isso, começou a marcar as casas com números e letras pichados com tinta preta. D. Máxima liderou a comunidade Rio dos Cachorros para impedir a continuidade da ação da empresa, o que também foi feito nas comunidades vizinhas. Junto com essa empresa, chegou a notícia de que 12 comunidades, com cerca de 14.400 pessoas, seriam deslocadas para dar lugar à implantação de um gigantesco polo siderúrgico. A partir dessa notícia uma grande batalha foi iniciada e iniciou-se a reação das comunidades rurais a mais essa ameaça de deslocamento compulsório e de perda de seus lugares de vida e de produção, de territórios e maretórios (como têm denominado o mar em que pescam e mariscam). Para reforçar sua luta, buscaram o apoio em outros agentes sociais do município e daí surgiu o Movimento Reage São Luís, reunindo comunidades ameaçadas, profissionais liberais; estudantes, docentes e pesquisadoras(es) de universidades e de outros níveis de ensino; lideranças religiosas, sindicais, comunitárias e de movimentos sociais.

D. Máxima, que nessa época tinha até medo de pegar em um microfone, temendo levar um choque, participou ativamente do movimento, buscando estudar sobre os significados dessa nova ameaça, aprender formas de combatê-la e participar ativamente de manifestações de mobilização e das audiências públicas que foram exigidas legalmente ao empreendimento, tornando-se uma grande oradora, capaz de expressar como poucos as dores e as lutas de seu povo e do povo vulnerabilizado do Maranhão. Casando a luta com o aprendizado, D. Máxima se destacou na defesa do território e do maretório. Depois de muitos enfrentamentos e muita resistência, a batalha contra o polo siderúrgico foi vencida, o empreendimento não foi implantado em São Luís e a ameaça de deslocamento compulsório foi vencida. São Luís tem uma dívida histórica para com as comunidades rurais, pois sua resistência e luta livrou a cidade de um empreendimento altamente poluidor e concentrador de riquezas e poder!

No ano de 2008, a partir de uma decisão coletiva que visava dar visibilidade à luta da zona rural de São Luís, d. Máxima foi candidata a vereadora pelo Partido dos Trabalhadores. Apesar de não ser eleita, sua candidatura foi a mais votada em toda a Zona Rural, demonstrando a legitimidade da luta de d. Máxima e do grupo de resistência ali existente.

Os ataques à vida e ao bem viver na Zona Rural de São Luís, porém, não param. No ano de 2014, a comunidade do Cajueiro, que faz parte da Resex Tauá-Mirim, foi ameaçada de deslocamento compulsório para a construção de um porto privado. Iniciou-se, então, nova luta na Zona Rural de São Luís. Convencida de que, se mais uma comunidade cair, mais cedo ou mais tarde todas as demais cairão, e movida por um forte sentimento de solidariedade para com as famílias ameaçadas, desde então, d. Máxima atua fortemente na mobilização e defesa da comunidade Cajueiro.

No ano de 2015 dois fatos importantes aconteceram e duas formas de luta importantes surgiram nas quais d. Máxima tem sido fundamental.

Em primeiro lugar, as comunidades que estão no perímetro da Resex Tauá-Mirim, cansadas de esperar o decreto presidencial de sua criação, demandado desde 2003 e cujos estudos necessários foram concluídos de forma favorável em 2007, realizaram uma Assembleia Popular, em 2015, e, numa atitude de desobediência civil, decidiram que, se o Governo Federal não cria a unidade de conservação, as comunidades iriam criar. Assim, foi constituído o Conselho Gestor da Resex Tauá-Mirim e, desde então, d. Máxima vem participando ativamente de sua organização. Uma das formas de aumentar a solidariedade no interior da Resex e de divulgar sua luta para a cidade de São Luís foi a criação, em 2019, da Feira da Resex Tauá-Mirim na UFMA, da qual d. Máxima é uma das principais animadoras. Ainda como partes das ações na defesa da Resex Tauá-Mirim, d. Máxima tem buscado participar de articulações mais amplas, de caráter regional e nacional, ajudando a fundar e participando efetivamente daRede de Mulheres das Marés e das Águas, dos Manguezais Amazônicos do Maranhão e Piauí (REMULMANA) e da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos (CONFREM). Participa também do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) e do Sindicato dos Pescadores de São Luís.

Outro fato importante de 2015 o anúncio, por parte da Prefeitura Municipal de São Luís, de que faria a atualização do Plano Diretor e da Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo do município. Foram convocadas audiências públicas para discutir esses projetos de lei, que ocorreram de forma quase clandestina, pois a divulgação era mínima e somente para dar aparência de cumprimento das exigências legais. A participação nas audiências e a apropriação das propostas de lei revelaram que eram projetos que afetariam profundamente a Zona Rural de São Luís e abririam seus espaços para a ocupação de empreendimentos capitalistas industriais e de infraestrutura, chegando a propor a redução de mais de 40% da extensão da Zona Rural. Nova luta se iniciou, novos confrontos no âmbito das audiências públicas e na busca de conscientização e mobilização para enfretamento dessas ameaças. D. Máxima participou ativamente, então, da formação do Movimento de Defesa da Ilha, que atua fortemente na discussão sobre a legislação urbana do município e tem se constituído num importante instrumento de luta das comunidades de São Luís, da comunidade Cajueiro, da Resex Tauá-Mirim.

Estudando, se apropriando das leis, buscando articular apoios, ajudando na mobilização das comunidades, d. Máxima tem se destacado como uma grande defensora dos direitos de povos e comunidades tradicionais e, portanto, dos direitos humanos e dos direitos da Natureza em São Luís e em todo o Maranhão. Encerramos essa apresentação com as palavras da própria d. Máxima, em um texto que escreveu em maio de 2011:

Se você me perguntasse antes sobre meio ambiente, não saberia lhe dizer nada, porque para mim e algumas pessoas de comunidade (conversamos sobre tudo) “meio ambiente” é também um termo novo criado para nós, apenas para nos tirar atenção de dizer que a “natureza”, que é de fato com quem nós temos intimidade, estava sendo destruída. Para as comunidades ainda continua assim: “a natureza e o homem”, um pertencendo, respeitando o outro. Sentimento, permissão e advertência: foi assim que nós aprendemos com os nossos avós, pais. Não precisava ter serviços de meteorologia para saber se ia chover ou não, não precisava de técnicos para fazer correção no solo porque eles sabiam onde o terreno estava mais fértil, não precisava recorrer à Secretaria de Meio Ambiente para dizer que a área estava sendo destruída, porque eles já sabiam disso. E o que mais nos admira é que eles nos ensinaram que a terra é a nossa mãe, e mesmo quando precisam “queimar” para fazer o roçado para plantar mandioca, milho, vinagreira etc… eles pediam “permissão” e, hoje, eu entendo tudo isso, porque como uma verdadeira mãe ela estava sempre perdoando e nos alimentando – e como uma mãe, é capaz de dar sua última gota de sangue para seus filhos, para nós e para ela (terra), um pertence ao outro, um não vive sem o outro, e esse sentimento de pertencimento não interessa às multinacionais e empresas que devastam tudo a favor do seu próprio lucro.

Viva a Resex Tauá-Mirim!

Viva a comunidade Cajueiro!

Viva dona Maria Máxima Pires!!!!

¹*A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), no dia 13 de dezembro, realizou a premiação de Direitos Humanos, e dentre as pessoas homenageadas estava dona Maria Máxima.

Dona Máxima, ainda em vida, soube que seria premiada e homenageada pela SMDH. Jercenilde Cunha Silva e Horácio Antunes a representaram durante o evento.

Infelizmente ela faleceu exatamente na tarde da cerimônia em que recebeu o Prêmio de Mérito em Direitos Humanos 2023.

²*Professor do Departamento de Sociologia da UFMA

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