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Coletivo atua para garantir políticas públicas para comunidade trans e travesti

No mundo dos peixes e répteis; Nós sonhamos II / Arte de Ani Ganzala Lorde. | Foto: Reprodução Instagram.

Por Isys Basola e Sylmara Durans

Esta entrevista é o quinto capítulo da série que está sendo realizada pelo nosso Grupo de Pesquisa, o ETC/UFMA. Abordamos diferentes temas na interface entre comunicação, tecnologias e economias, como estratégias de divulgação da ciência que ancoram as ideias debatidas.

Mas é a primeira vez que conversamos com um movimento que busca construir estratégias para enfrentar as inúmeras desigualdades que a população trans e travestis enfrenta. Este é um debate sobre a construção de sujeitos em uma perspectiva sociotécnica e a luta pela diversidade nos modos de vida. O fortalecimento deste grupo, que ainda coexiste com sinônimos de vulnerabilidade, acontece baseado na metamorfose de narrativas desacolhedoras, ou seja, na transformação de ideais que não compartilham sinônimos de igualdade, em espaços comuns lotados de autoestima, de poder, de vivências e de acolhimento.

Para entendermos esse tema, entrevistamos Caio Mendonça, que você vai conhecer por meio de suas próprias palavras e nomenclaturas.

Caio Mendonça Recebendo o Prêmio Gayvota pelo Observatório de Politicas Públicas LGBTI+ do Maranhão. / Foto: Reprodução/Instagram.

SYLMARA DURANS: Ficamos muito felizes com sua disponibilidade para colaborar com o nosso projeto e esperamos que nossa conversa possa ampliar as perspectivas para o empreendedorismo em nossa cidade. Para começarmos gostaria que você se apresentasse, quem é você, quais os caminhos percorreu até chegar aqui e como sua história se conecta com o Coletivo Área T?

CAIO MENDONÇA: Meu nome é Caio Mendonça, tenho 36 anos, nascido e criado em São Luís do Maranhão, sou pai de pet, tenho três gatinhos, sou militante ativista pelos direitos da população LGBTQIA+, do Estado do Maranhão, e atualmente estou trabalhando na Secretaria da Saúde do Estado, no setor de saúde digital. Finalmente voltando para a minha área de trabalho. Sou formado em Ciência da Computação pela Universidade Federal desde 2012, afastado do mercado de trabalho, mas agora conseguindo voltar aos eixos.

Sou ativista e militante desde 2015, quando entrei em um projeto chamado Curta Diversidade, que se resumia a mensalmente fazermos encontros, organizarmos encontros em que a gente exibia peças cinematográficas, por isso o nome, Curta Diversidade, entrevistas curtas, alguns vídeos curtos que pudessem, com alguma temática específica, que a gente pudesse debater a questão LGBTQIA+. E, sim, a gente sempre tinha um público cativo. Nosso projeto era realizado ali, no Odylo Costa Filho, no Cine Praia Grande.

Era o nosso principal parceiro. E, desde então, eu venho me envolvendo com a militância local, participando da organização da Semana de Visibilidade Trans. E, em 2018, quando eu começo a minha transição de gênero, eu começo a ter contato com a militância trans, de fato.

Especialmente com a Amatra, a Associação Maranhense de Travestis Transsexuais. E é quando eu começo a me entender uma pessoa mais ativa dentro do movimento, mais participativa, com vontade e brilho nos olhos de fazer mudança de fato. Foi quando eu consegui me encontrar que eu consegui entender qual é o meu papel de fato aqui na militância.

E aí começa a surgir essa ideia de Coletivo AreaT. Na época não se chamava Coletivo AreaT. Eu fui chamado para fazer parte do grupo que fundou o antigo Projeto Trans Bazar, que hoje ainda é Projeto Trans Bazar, mas não se resume ao coletivo.

A gente tinha um projeto que era especialmente voltado para arrecadação de verba para auxiliar na retificação de nome e gênero da população travesti aqui da cidade. Era Trans Bazar SLZ o nome. Com o tempo e a pandemia, as coisas foram mudando, e aí veio o Coletivo AreaT.

SD: Pensando nas pessoas que não conhecem o projeto, apresenta pra gente o que é a Coletivo Area T, como surgiu, quais atividades têm sido realizadas e quantas pessoas estão envolvidas diretamente?

CM: O coletivo AreaT nasce em 2019, em julho de 2019, com o nome Trans Bazar SLZ. Um projeto em que nós arrecadávamos doações de roupas, calçados, itens que pudessem ser vendidos para arrecadar uma verba e reverter em retificações de nome e gênero. Infelizmente, a pandemia chegou e atrapalhou nossos planos.

Então, o projeto ficou parado durante muito tempo, mas durante a pandemia ainda, nós ressuscitamos o projeto, digamos assim, e a gente queria crescer um pouco mais. A configuração do Trans bazar já tinha mudado, eu apenas tinha continuado, do pessoal da formação inicial, da fundação, e outras pessoas entraram com novas ideias e a gente decidiu aumentar o nosso alcance ampliar os nossos projetos, porque a gente acreditava que a gente poderia fazer muito mais.

Foi quando surgiu o coletivo AreaT, com outros projetos no seu catálogo, digamos assim. Então, para além do Trans bazar, surgiram outros três projetos. O Clínica Trans, que era basicamente de atendimento psicológico para a população trans e travesti em vulnerabilidade.

A consultoria jurídica, que trabalhava em paralelo com o Trans bazar, literalmente isso, para dar consultoria jurídica para as pessoas trans e travestis, em qualquer tipo de situação, que a gente pudesse solucionar. E o Divulga Trans mais voltado para a questão de empregabilidade, empreendedorismo. Mas eram projetos que a gente estava iniciando, que hoje eles estão tomando forma. Hoje em dia, a gente continua tendo o Trans Bazar SLZ como o nosso carro-chefe.

A gente mudou agora o perfil, o funcionamento do projeto, então antes éramos nós quem fazíamos a frente do projeto, quem selecionávamos as roupas, fazíamos a venda, toda a gestão. Anteriormente, éramos nós que fazíamos toda a gestão do projeto, pegávamos as doações das roupas, dos itens, vendíamos, participávamos de eventos para vender e reverter em verba.

Hoje, como a configuração mudou, as pessoas se ocuparam com outras prioridades, decidimos mudar um pouco a cara do projeto. E, recentemente, a gente fez um seletivo para selecionar pessoas trans e travestis que estivessem precisando de renda para que elas próprias pudessem se responsabilizar por esse projeto.

Então, qual é a ideia hoje em dia? A gente colabora em toda a estrutura de um bazar para que elas próprias criem e gerenciem o empreendimento delas.

Então, a gente dá a estrutura para elas, a gente colabora na iniciativa de receber as doações para que as roupas e os itens sejam encaminhados para elas e elas possam vender esse material, esses produtos e o dinheiro é revertido diretamente para elas. Então, elas mesmas são empreendedoras desse projeto. Além do Trans bazar, a gente também tem trabalhado bastante em voltar com o projeto Divulga Trans, que é um projeto voltado para a empregabilidade.

Então, a ideia é de divulgar não só pessoas autônomas, pessoas trans e travestis autônomas que estejam precisando de visibilidade, quanto de colaborar para que a gente consiga criar um banco de dados, um banco de talentos de pessoas trans e travestis e a gente possa viabilizar a inserção dessas pessoas no mercado de trabalho. Esses são os nossos principais projetos hoje em dia, mas o desejo de continuar com o Clínica Trans e o consultoria trans, consultoria jurídica trans, é um sonho bem grande ainda. Além desses projetos, a gente também trabalha na participação popular, no controle social das políticas públicas do Estado, voltados para a população LGBTQIA+.

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Então, a gente faz parte do Fórum de ONGs LGBT do Estado do Maranhão, colaborando com as outras entidades da sociedade civil para que a gente possa sempre garantir direitos para a nossa população aqui no Estado. sempre se reunindo com o poder público, fazendo articulações com o poder público, executivo, judiciário, para que a gente possa criar alternativas que melhorem a qualidade de vida da população. Então, a gente tem alguns parceiros que são bem atuantes na causa, que é a Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular, o Tribunal de Justiça através do Comitê de Diversidade, a Defensoria Pública do Estado através do Núcleo da Mulher e LGBT. Então, a gente tem aí alguns parceiros que colaboram com a gente nesse processo.

SD: Segundo dados divulgados no “Dossiê: Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras” publicado pela Antra, em 2022 65% dos crimes cometidos contra essa população foram motivados por crimes de ódio, essa é uma realidade muito dramática no contexto brasileiro. Quais são as principais estratégias que têm desenvolvido individual e coletivamente a nível de organização para se manterem vivas?

CM: A questão da segurança da população trans, travesti, perpassa por várias camadas. Quando a gente fala de política pública voltada para a segurança pública, a gente está falando de um sistema que já é muito complicado. Então, o nosso trabalho, a nível estadual, é de sempre cobrar da polícia, do Estado, do mecanismo público do sistema, que eles atentem para a existência de pessoas trans e travestis.

Então, quando a gente fala de atentar para a existência das pessoas trans e travestis, é de entender que é uma identidade de gênero que precisa ser validada em primeira instância. Se o sistema não consegue validar a nossa existência, garantir a nossa segurança é um problema. Então, se alguém sofre algum crime de LGBTfobia, de transfobia especificamente, e vai numa delegacia fazer uma denúncia, abrir um boletim de ocorrência, ela já sofre preconceito no estabelecimento em que ela deveria estar segura.

Então, como que uma população vai conseguir se sentir confiante no aparelho público, se o próprio aparelho público é preconceituoso contigo e te expulsa daqueles espaços? Ele te fala dia após dia de que você não tem direito àquela segurança que é garantida por lei, que é garantida na Constituição. Então, diariamente, a gente, enquanto militantes, enquanto ativistas políticos, a gente tem que estar lembrando o Estado e a população também com relação a isso. E quando a gente fala em segurança, a gente também não pode só responsabilizar o Estado por essa segurança.

A gente também tem que cobrar das famílias. O que a família está fazendo para proteger aquela pessoa trans, aquela criança trans, aquele adolescente trans? Será que aquela família está sendo uma rede de apoio para aquela pessoa, para que ela possa se sentir mais segura e sentindo menos perigo?

Então, é algo que a gente precisa conversar em vários aspectos. Se a população como um todo, se a sociedade como um todo não consegue compreender que o respeito às nossas existências é essencial, criar política pública, conversar com a família, conversar com as escolas, conversar nos hospitais não vai ser suficiente. Então, a gente precisa sempre estar em cada uma dessas camadas sociais, em cada uma dessas instâncias sociais, relembrando as pessoas de como a gente precisa ser tratado, de como a gente deve ser respeitado. Então, diariamente, essa cobrança tem que ser feita, são projetos e ações que a gente articula com o poder público e entre sociedade civil, para que a segurança da população esteja sempre ativa.

E, para além disso, existem outros mecanismos da sociedade civil também, como, por exemplo, o Observatório de Políticas Públicas da População LGBTQIA+ aqui no Estado, que existe a nível de Brasil e que colabora com a coleta de informações sobre violência letal e sobre os mais variados tipos de violência também ocorridos com a população LGBTQIA+. Para que a gente possa mostrar para o Estado que a violência existe e que existe um padrão dessa violência, de que existe uma forma peculiar de violência com os nossos corpos, que é o que a gente chama de requinte de crueldade.

Quase todas as violências cometidas com os nossos corpos têm um requinte de crueldade, muitas das vezes envolvendo a questão religiosa, muitas das vezes envolvendo a questão dessa ideologia, dessa crença de que nossos corpos não são vários, que devem ser excluídos da sociedade. Então, são sempre vários espaços em que nós temos de estar inseridos, levantando as nossas vozes e exigindo o que é nosso por direito.

No ano passado mesmo, nós tivemos uma ação em conjunto entre as entidades da sociedade civil e o poder público, especialmente a Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular, a Sedihpop, em que nós iríamos executar uma lei estadual que obrigava os estabelecimentos comerciais a colocarem uma placa de aviso sinalizando que aquele ambiente era livre de LGBTfobia. E, obviamente, que a gente iria ouvir e ver muitos estabelecimentos querendo se negar a colocar essa placa. Só que, para além dessa recusa dos estabelecimentos, nós também tivemos um ponto muito negativo que foi com relação à nossa Assembleia Legislativa, em que muitos deputados se colocaram contra, inclusive, tentando fazer com que essa lei fosse rebaixada.

Então, por mais que o governador tivesse sancionado essa lei, a Assembleia Estadual veio e a cancelou. Então assim, quando nem uma simples ação, uma simples política pública de sinalização de segurança para nossa população pode existir, quiçá outras políticas que acabam sendo mais complexas, digamos assim. Recentemente a gente tá vendo agora essa questão do banheiro, onde as travestis não podem entrar no banheiro de acordo com o seu gênero.

Com uma acusação sem fundamento algum que é alegando que aquela travesti, aquela mulher trans vai violentar crianças e mulheres ali dentro daquele banheiro. Isso não faz sentido algum. Então, assim, a gente ainda tem muito a conquistar com relação à segurança da nossa população, especialmente quando nós não somos respeitados nos espaços e a nossa própria existência é expulsa dos espaços em que nós temos o direito de estar.

SD: Pensando na realidade de São Luís quais são os principais desafios para populações trans e travestis, o que precisa ser feito para garantir mais qualidade de vida?

CM: Eu acredito que, para além desse limite territorial, a cidade de São Luís apresenta os mesmos problemas que qualquer outra cidade a nível de Brasil, no nosso limite territorial. Mas, por estarmos em uma cidade que é capital de um Estado, a gente acaba tendo acessos mais facilitados, não só à políticas públicas, mas ao diálogo e articulações com o poder público também. Mas algo específico da nossa cidade seria o diálogo com a Câmara Municipal, com os nossos vereadores.

Nós temos um, no máximo, dois representantes na Câmara Municipal que entendem a necessidade de criação de políticas públicas específicas para a nossa população. Isso precisa ser provocado cada vez mais. Mas adentrar num espaço que é majoritariamente de homens hetero e cis, e que não compreendem toda a magnitude, toda a diversidade da população, toda a necessidade de criação de políticas públicas voltadas para realidades distintas, dificulta que a gente consiga ter essas aberturas localmente.

Então, a partir do momento em que a gente não consegue ter reforços políticos na nossa cidade, a gente não consegue fazer uma criação de políticas públicas sem a verba necessária, que tem a atenção necessária, que garanta direitos de fato, que não seja apenas acordos feitos entre gestões, nem que seja algo que a gente não possa exigir por lei. O diálogo com o município também, com a gestão municipal, sempre foi muito difícil. A gente está engatinhando ainda, começando a conversar sobre políticas que podem ser construídas a nível municipal. Atualmente, a gente está encaminhando a nova política de saúde integrada à população LGBTQIA+, com a Secretaria de Saúde do município.

SD: As taxas de suicídio também são bastante alarmantes, na sua percepção como isso se relaciona com a atuação de instituições como a família, o estado, a igreja?

CM: Essa questão da saúde mental é muito alarmante. Tem sido muito alarmante nos últimos tempos. Desde antes da pandemia, mas a pandemia acabou agravando toda essa situação.

Especialmente falando para a nossa população trans e travesti, é algo que a gente precisa ter uma visão e uma sensibilidade um pouco mais aguçada. Lidar com a saúde mental de pessoas que já são marginalizadas é um desafio para a gente, é um desafio para o poder público, é um desafio para a militância, para os ativistas, porque muitas dessas pessoas são pessoas jovens que estão começando suas vidas, se entendendo enquanto pessoa LGBT, entendendo como é o preconceito social, como é a não aceitação familiar, como é a sua expulsão de ambientes religiosos e espirituais. E isso acaba agravando cada vez mais, para além de toda a questão econômica, de toda a questão educacional, de emprego, que também acabam agravando a saúde mental das pessoas.

Quando a gente vai para a questão racial, é um outro patamar de atenção que tem que ser dado, especialmente na população trans e travesti. Eu me lembro sempre do Demetrio, que foi um homem trans do Rio de Janeiro, uma pessoa negra que morava na periferia, e ele sempre mostrava nas suas redes sociais o preconceito que ele sofria, também por ser trans, mas muito mais por ser negro.

Demétrio era um rosto conhecido da militância e a sua morte causou comoção na internet. / Foto: Reprodução/Instagram.

Quando ele fez a transição de gênero e adquiriu a passabilidade dele, ele começou a ser visto com uma visão muito mais marginalizada, muito mais preconceituosa pela polícia do Estado. Então, são questões que precisamos considerar e acabam dificultando o trabalho não só da militância, mas do poder público, de entender como essa questão, como que os profissionais da saúde mental podem atuar, né? Porém, também, a gente tem que exigir desses mesmos profissionais que eles tenham uma sensibilidade e um alcance maior do trabalho deles. Porque, hoje em dia, a gente sempre fala, na verdade, de que a psicologia ainda não consegue entender e acolher os nossos.

Se a psicologia não entende todas as interseccionalidades por trás da saúde mental de uma pessoa trans e travesti, ela não vai conseguir tratar aquilo ali. Não adianta você ser técnico o suficiente, aplicar metodologias variadas, se você não consegue entender a realidade social daquela pessoa. A saúde mental ainda é um desafio e acredito que vai continuar sendo um desafio para a gente como militante e especialmente para a população que é atingida por tudo isso.

E algo que a gente precisa ficar atento, que foi uma ação que a gente viu crescer desde que aquele presidente que não deve ser nomeado entrou no poder, foi das terapias de conversão sexual, que especialmente as igrejas evangélicas têm iniciado. Então a gente precisa ter um olhar específico para essas ações que foram um boom nos últimos anos. E existem terapias que acontecem e o poder público não está fazendo nada, a polícia não está fazendo nada, ninguém está conseguindo atenuar ou até mapear todas essas ações que são realizadas sem nenhum tipo de controle. Inclusive por pessoas que se dizem psicólogas, que são formadas em psicologia e que estão colaborando com esse tipo de ação criminosa.

SD: A Semana Estadual da visibilidade trans este ano em São Luís trouxe o tema Reconhecimento e Empregabilidade, quais são os principais desafios enfrentados, a partir da sua experiência, no mercado de trabalho? Como as empresas e organizações têm lidado de modo geral com a população trans e lgbtqiapn + de modo geral?

CM: Sendo bem pontual, o mercado de trabalho ainda não está preparado para a população trans e travesti. Se a gente for falar um pouco mais sobre população LGBTQIA+, em geral, a gente consegue, sim, ver uma certa abertura, mas ainda não é o necessário, porque a gente ainda tem que falar sobre a questão interseccional, que é a questão da raça e do gênero também. Quando a gente fala de uma população trans, travesti, negra, especialmente de travestis, esse mercado de trabalho não está aberto. Ele expulsa cada vez mais. Vou dar alguns exemplos. Conheço algumas pessoas travestis e mulheres trans que são graduadas, mas que o mercado de trabalho não abre portas para elas.

E elas acabam tendo a prostituição como uma das poucas alternativas para adquirir renda, para pagar suas contas, para ter saúde, o mínimo de saúde, para sustentar uma família, para ajudar dentro de casa. Isso quando elas têm uma família que as apoia. Costumo dizer que sou um pontinho fora da curva, porque comecei a minha transição de gênero quando já tinha 30 anos de idade, eu já estava graduado, já estava no mercado de trabalho, porém, mesmo com esses privilégios que eu adquiri na minha juventude, o mercado de trabalho me afastou, aos pouquinhos foi me afastando.

E quando eu enxergo as pessoas que entraram comigo na universidade naquele tempo, e como elas estão hoje, me comparo com essa evolução, eu sei que nem toda evolução é boa, mas, quando eu comparo, é quando eu vejo o quanto que a minha identidade de gênero me expulsou dos espaços que eu já fazia parte, só por eu ter assumido e aceitado o que eu sou de fato e colocado tudo isso em prática. Então, eu vejo que ainda tem muito o que evoluir, as empresas e o poder público enquanto detentores dos cargos, das posições de trabalho, ainda precisam se qualificar muito para aprender a lidar com a população trans. Para aprender a qualificar uma população que também foi expulsa das escolas e das universidades. Então, o problema não começa só no mercado de trabalho.

O problema começa também na qualificação. Quantas pessoas trans e travestis conseguiram terminar o ensino médio? Quantas conseguiram entrar na universidade? Ou pagar uma faculdade? Então, a gente está fora desses espaços. A gente não consegue adentrar no mercado de trabalho de maneira formal se o próprio mercado, a própria sociedade nos expulsa de espaços em que nós deveríamos estar nos qualificando. Ainda temos muito que conquistar, muito o que mudar com relação à questão da empregabilidade da população também travesti.

SD: Você percebe conexões da luta das pessoas trans e travestis com outras demandas estruturais? Se sim, quais?

CM: Sim, com certeza. Eu acho que anteriormente eu falei só da questão racial, mas dentro da população trans e travesti existe um mar de interseccionalidades. A questão racial, a questão econômica, a questão de gênero, a questão PCD.

Acho que o ser humano é diverso, em sua totalidade. Então, se a pessoa é LGBT, ela tem várias outras características ali que a integram na sociedade. Então, a gente precisa sempre considerar a questão transexual, a questão trans, como mais um dos marcadores sociais que fazem com que aquela pessoa esteja em marginalidade social, esteja em vulnerabilidade social. Então, a gente precisa sempre estar atento a esses marcadores que excluem a população de direitos e de políticas públicas que possam melhorar sua qualidade de vida.

SD: Vocês têm realizado alguma articulação com outros coletivos, organizações. Se sim, quais?

CM: Sim, o nosso coletivo sempre faz ações em conjunto com outras organizações, tanto do Poder Público como da Sociedade Civil e também parceiros de empreendimentos alternativos. A gente tem como principal parceiro do Projeto Trans Bazar o Encontro de Brechós, que sempre ajuda a gente na participação das pessoas que foram selecionadas recentemente. Foi um grande parceiro já desde o começo do coletivo, desde que nos tornamos coletivo, então é um grande parceiro nosso de projeto e de vida.

Para outras ações que a gente também costuma fazer, a gente tem tanto a Defensoria Pública do Estado como o Comitê de Diversidade do Tribunal de Justiça, grandes parceiros em ações e projetos que eles mesmos estão à frente e que a gente é chamado para fazer, para ajudar na mobilização, para ajudar na divulgação e na articulação e execução dos próprios projetos. Então, a gente sempre tenta realizar parcerias para que a gente possa atingir cada vez mais a população trans e travesti do estado.

Um dos nossos grandes parceiros atualmente tem sido o Grupo Gayvota e o IBRAT, o Instituto Brasileiro de Transmasculinidades, que é do Núcleo Maranhão, que é um instituto voltado para homens trans, pessoas transmasculinas e pessoas não binárias transmasculinas. Então a gente trouxe, eu também faço parte desse grupo, né? A gente trouxe esse escritório pra cá pra que a gente pudesse dar uma visibilidade maior para essa identidade de gênero que ela é muitas vezes esquecida, né? Que muitas pessoas acabam não conhecendo tanto os homens trans, pessoas transmasculinas de forma geral.

A gente sempre fala muito sobre a travestilidade, sobre as mulheres trans, mas as transmasculinas também existem e são colocadas nesse âmbito. E são dois grandes parceiros, tanto de ativismo e articulação com o poder público, como de projetos sociais.

SD: Vamos exercitar nossa capacidade de imaginar, como seria a São Luís dos sonhos para pessoas trans e travestis?

CM: São Luís dos sonhos para pessoas trans e travestis, acho que é simples, né? Se a gente puder andar na rua e não sofrer preconceito, se a nossa população não for expulsa de casa, expulsa do mercado de trabalho, acho que se todos os direitos nos fossem garantidos, acho que essa é a São Luís dos sonhos. Que nós tivéssemos nossos direitos garantidos de fato, e não apenas ali no papel, mas que nós pudéssemos nascer, nos desenvolver e sobreviver, e viver durante muito tempo.

A expectativa de vida da nossa população ainda é muito pequena. Então, eu acho que se nós conseguíssemos chegar até a nossa velhice com uma qualidade de vida digna e de que nos é de direito, essa seria a transição dos sonhos para a nossa população.

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