Por Ana Gabriela Freire, Jullie Pereira e Thays Lavor
Segundo dados do MapBiomas Alerta, a área desmatada do estado aumentou de 9.905,86 hectares, em 2019, para 18.342,57 hectares, em 2022. Embora as florestas maranhenses ainda ocupem uma grande porção do território estadual, essa cobertura nativa diminuiu 5,53% nos últimos 10 anos.
A área desmatada do Maranhão dentro do bioma amazônico aumentou em 85% entre 2019 (9.905,86 hectares) e 2022 (18.342,57 hectares), de acordo com um levantamento realizado pela InfoAmazonia com dados do MapBiomas Alerta
Um sistema de validação e refinamento de alertas de desmatamento realizado por cientistas e instituições para todos os biomas brasileiros. Na Amazônia Legal, a alta percentual da área desmatada do estado (+85%) é menor apenas do que a do Tocantins (+ 215%) e a do Amazonas (+ 116,4%) no mesmo período. No entanto, em tamanho de área desmatada, o Pará lidera com 1.616.317,36 hectares desmatados em 4 anos.
Esses dados chamam a atenção para as políticas ainda frágeis de fiscalização ambiental, assim como para a relação intrínseca que se dá entre o avanço da agropecuária e o desmatamento na região, que põe em risco áreas protegidas dentro da Amazônia Legal, fomenta os conflitos por terra e contribui, por exemplo, para aumento de emissões de gases de efeito estufa no país.
A presença de madeireiros e fazendeiros no entorno de terras indígenas coloca os povos em frequente risco. Durante a seca, quando geralmente os focos de calor e fogo crescem, isso se torna ainda pior, porque o uso de fogo para pastagem pode atingir os territórios. Foi o que denunciou Laércio Guajajara sobre as queimadas que ocorreram em setembro de 2023. Ele é um dos sobreviventes da emboscada que fizeram contra Paulo Paulino, líder assassinado em 2019, e faz parte do grupo de guerreiros, que monitora e protege o território.
“Foram dias de sufoco na região da Arariboia, por causa do fogo. Qualquer coisinha o fogo já se espalha rápido, em área que tem pastagem é mais rápido ainda, é difícil de controlar, queimaram muitas caças no fogo”, disse.
O relatório Violência Contra Povos Indígenas, publicado em 2023, elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) mostra que, dos cinco assassinatos de indígenas que ocorreram em 2022, três foram na TI Araribóia. “Eu chamo isso de guerra fria, porque estão matando meus amigos e ninguém faz nada”, afirmou Laércio Guajajara, em entrevista à InfoAmazonia.
Os dados mais recentes do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), uma iniciativa do Observatório do Clima, colocam o Maranhão em oitavo lugar no ranking nacional em emissões e quarto entre os estados da Amazônia Legal em 2022 — uma posição em evolução, tendo em vista que, em 2019, o estado estava em quinto.
O setor de mudança de uso da terra, diretamente associado ao desmatamento, é responsável por 66% destas emissões, com exatos 64.528.399 milhões de toneladas de CO2e
Medida métrica utilizada para comparar as emissões de vários gases de efeito estufa baseado no potencial de aquecimento global de cada um. O dióxido de carbono equivalente (CO2e) é o resultado da multiplicação das toneladas emitidas de gases de efeito estufa pelo seu potencial de aquecimento global.. Estudos do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) evidenciam que 90% da área desmatada na Amazônia é ocupada por pastagens. O que pode ser percebido no Maranhão, onde esse espaço aumentou 9% de 2019 para 2022, passando de 4.710.927 hectares (ha) para 5.145.719 ha, conforme os dados de cobertura e uso da terra do Mapbiomas.
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Segundo a Embrapa, embora a área de expansão da agropecuária no estado ocorra principalmente no Cerrado, existem fatias importantes no bioma amazônico que avançam desde a década de 1980. Além disso, os municípios maranhenses localizados na porção amazônica, a oeste do estado, são os principais emissores do setor.
O estado integra o Matopiba (sigla para Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), uma das fronteiras agrícolas do país, caracterizada pela expansão orientada das atividades de agropecuária e de importante pressão de desmatamento. O relatório mais recente do MapBiomas sobre desmatamento no Brasil indica que o Matopiba concentrou 26,3% da área desmatada no Brasil em 2022. Foram 4.975 alertas e 541.803 ha desmatados – um aumento de 37% da área desmatada em relação a 2021.
É fato que, conforme o setor avança, as florestas diminuem. Embora as florestas maranhenses ainda ocupem uma grande porção do território estadual, percebe-se que sua queda ao longo dos anos tem sido permanente, com uma diminuição de 5,53% da área nativa de 2013 a 2022.
Diante do cenário exposto pela reportagem, o docente do Programa de Pós-graduação em Biodiversidade e Conservação da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Celso Henrique Leite Silva Júnior, chama a atenção para questões relacionadas à deterioração ocorrida em áreas dentro da Amazônia Legal, mas que muitas vezes são ignoradas.
“A degradação das florestas pelo fogo na região amazônica do Maranhão é uma importante e ainda negligenciada fonte de emissão de carbono. O fogo atinge grandes áreas de floresta, e além da emissão direta de carbono pela combustão da biomassa morta no chão, o fogo causa a morte de árvores que durante a sua decomposição contribuem também para as emissões”, explica.
Desmatamento e conflitos
Conforme o setor avança na parte oeste do estado, a pressão em terras protegidas também aumenta. É o que ocorre na TI Governador, que enfrenta assédio fundiário por parte de fazendeiros da região e tentativas de exploração por madeireiros. Na madrugada de 12 de fevereiro deste ano, a TI sofreu uma invasão.
O coordenador do Cimi Gilderlan Rodrigues denunciou à InfoAmazonia que a comunidade Marajá foi invadida por madeireiros e que houve o uso de arma de fogo contra os indígenas. “De fato, aconteceu a invasão de madeireiros lá e a comunidade está muito amedrontada, ainda não querem falar, estão com medo, a situação é tensa”, contou.
De acordo com ele, a Funai foi informada, mas nenhuma ação foi feita. A InfoAmazonia conseguiu entrevistar uma liderança da região, que pediu anonimato. De acordo com a apuração, os madeireiros invadiram a comunidade em busca de motosserras que teriam sido apreendidas pelos indígenas.
“A própria comunidade tenta impedir a retirada ilegal de madeira, que já é uma ameaça para duas aldeias, a Canto Bom e Marajá. Durante o dia, podemos ouvir o som das motosserras. Tem uma área, que fica entre as duas [comunidades], onde as mulheres coletam frutas e materiais para artesanato e está correndo um grande risco de desmatamento”, disse.
A reportagem procurou a Funai e a Polícia Federal, mas não obteve retorno. A TI Governador fica ao lado da TI Araribóia, no município de Amarante. A doutora em educação Maria Custódio, que tem pesquisa em conflitos envolvendo indígenas no Maranhão, explica que as tentativas de combater o desmatamento, muitas vezes feitas pelos próprios indígenas, é o motivo para outras revoltas que estão ocorrendo na região.
“Hoje, o povo Guajajara precisa lutar para preservar seu território contra a exploração dos madeireiros e daí novos conflitos se instalam trazendo implicações mais graves como a terrível violência, o acirramento da detonação do meio ambiente e, com isso, a redução das possibilidades de cultivo agrícola, pesca, caça, etc. O que prejudica a vivência da integralidade cultural e espiritual, pois para os indígenas tudo tem um sentido e uma intenção para além da materialidade”, conta.
Ela avalia que são necessárias políticas que incluam os órgãos de defesa indígena e que os assassinatos sejam punidos, de acordo com a lei. “Em suma, são tantas as necessidades e dificuldades que políticas públicas transversais precisam ser discutidas, aplicadas e avaliadas em conjunto pelos ministérios e demais órgãos das várias esferas de poder sob a coordenação do Ministério dos Povos Indígenas. No caso dos Guajajara, no Maranhão, os assassinatos de lideranças indígenas precisam ser investigados com mais agilidade e seus responsáveis punidos com todo o rigor da lei”, afirma.
O que diz o governo do estado
A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Sema) em busca de esclarecimentos sobre as ações de fiscalização e política ambiental, e, em nota, o órgão informou que o estado monitora, por meio da Rede de Qualidade do Ar do DISAL (Distrito Industrial de São Luís), sete gases de efeito estufa, porém só informou o nome de quatro, são eles: SO2, NOx, CO2 e O3. Também ressaltou que realiza ações sistemáticas de fiscalização nos empreendimentos licenciados pelo Estado, para apurar e coibir possíveis irregularidades e depredações.
A reportagem também questionou sobre os empecilhos para reduzir os dados de desmatamento do estado. A Sema afirmou que está aumentando os licenciamentos ambientais e cumprindo ações de fiscalização “com intuito de reduzir os crimes ambientais e punir os que ocorrerem”. Também informou que, neste momento, o governo trabalha no desenvolvimento de um sistema de monitoramento e controle ambiental, “para identificar as áreas no estado que precisam ser fiscalizadas, conservadas e recuperadas”.
Em julho do ano passado, o governo estadual do Maranhão criou um Comitê Estratégico para a Prevenção e Combate ao Desmatamento Ilegal, Exploração Florestal Ilegal e Incêndios Florestais (CEDIF). A secretaria afirma que o plano de ação do estado para queimadas e incêndios deu atenção “especial à proteção dos territórios tradicionais e áreas de preservação ambiental”. Questionada sobre a identificação das maiores causas de desmatamento, a secretaria não respondeu.
Esta reportagem foi realizada com o apoio do Programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC), que atua para amplificar ações climáticas locais e busca desempenhar um papel central no debate climático global. A InfoAmazonia faz parte da coalizão “Fortalecimento do ecossistema de dados e inovação cívica na Amazônia Brasileira” com a Associação de Afro Envolvimento Casa Preta, o Coletivo Puraqué, PyLadies Manaus, PyData Manaus e a Open Knowledge Brasil.
Publicado originalmente no site Infoamazonia