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ENTREVISTA – Horácio Antunes afirma que poder público dá licença para matar em São Luís

“Estamos sendo mortos pela poluição de São Luís”. A afirmação é do professor Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior, do departamento de sociologia da UFMA. Ele deu entrevista para a Agência Tambor, sobre a ilha de São Luís e seus gravíssimos problemas, silenciados pelo poder local.

Falamos sobre o aumento do número de doenças respiratórias, de pessoas afetadas por variados tipos de câncer, de doenças do trato digestivo e aumento do número de mortes causadas por essas doenças, que são fruto do modelo de industrialização que temos em São Luís.

Falamos com Horácio sobre o elevadíssimo nível de poluição do ar, sobre a contaminação das águas, dos peixes, do subsolo. São problemas gravíssimos criados pelas mineradoras, empresas de construção civil, entre outros empreendimentos empresariais. Todos atuam em São Luís sem fiscalização adequada, controle ou planejamento urbano.

Estações oficiais de monitoramento do ar registram dados alarmantes. E nada é feito para combater a poluição


São vários crimes que se revertem no lucro de poucos. As empresas ganham milhões, instalam o caos e a população fica com a contaminação, as doenças, mortes, falta de agua, as inundações, numa situação que vem piorando dia a pós dia.

Leia também: Dados oficiais! Qualidade do ar em São Luís segue piorando

Horácio faz parte do Movimento de Defesa da Ilha – que reúne lideranças comunitárias, professores, pesquisadores, profissionais liberais, sindicalistas, estudantes. Este movimento tem feito denúncias gravíssimas, que não sensibilizam como deveria a grande maioria das autoridades locais, nem a mídia de mercado.

O dinheiro das grandes empresas cria uma rede de cumplicidade e, como bem falou Horácio nesta entrevista, é dada licença para matar. Leia abaixo a entrevista que Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior:

Agência Tambor – Os últimos relatórios oficiais revelam que a qualidade do ar de São Luís vem piorando dia após dia. Os dados de 2023 são assustadores. O Movimento de Defesa da Ilha vem denunciando esse e outros problemas, que são atentados à vida, que além da poluição do ar passa pela contaminação de peixes, destruição das fontes de abastecimento de água, entre outras barbaridades. Recentemente, o advogado Guilherme Zagallo falou em descaso do poder público, diante de toda a situação. E falou especificamente do governo do Estado e da prefeitura de São Luís. O que você tem a dizer sobre esta questão de descaso?

O advogado Guilherme Zagallo já havia denunciado o descaso do poder público

Horácio Antunes – Tanto governo do Estado quanto prefeitura de São Luís, apesar de suas diferenças políticas, são orientados pela mesma noção de desenvolvimento, que desconsidera ou desvaloriza as potencialidades locais, submente suas decisões relacionadas às atividades produtivas aos interesses do grande capital transnacional e remetem para o segundo plano as preocupações ambientais e sociais.

Com isso, em nome de um prometido desenvolvimento que nunca chega, convivemos com uma dilapidação histórica e permanente da natureza de nossa ilha e com a degradação constante da qualidade de vida da maior parte de nossa população. O descaso governamental, então, se materializa, por exemplo, em licenciamentos ambientais (municipais, estaduais e federais) concedidos a empreendimentos poluidores, em fiscalização ambiental que favorece grandes empresas e ataca pequenos produtores rurais, em aprovação de leis e diretrizes que favorecem à degradação ambiental e social e não protegem a população local.

Portanto, a ação governamental, em seus vários âmbitos, ao invés de assumir seu papel de defesa da natureza e das pessoas, tem permitido ou mesmo provocado a ampliação da degradação ambiental na Ilha e contribuído para a destruição de comunidades rurais e degradação da vida nas periferias urbanas.

Agência Tambor – A presidenta da Assembleia Legislativa do Maranhão, deputada Iracema Vale, criou recentemente uma comissão para acompanhar um naufrágio de um navio nas aguas de São Luís. No entanto, esta mesma Iracema Vale não se manifesta sobre as diferentes formas de poluição. O que se pode dizer dos órgão e agentes públicos que têm a obrigação de fiscalizar? O Ministério Público? A Câmara de Vereadores de São Luís? Assembleia Legislativa?

Horácio Antunes – A Assembleia Legislativa evita o debate sobre a poluição, pois esse debate levanta questionamentos sobre o modelo de desenvolvimento degradante que tem sido promovido ou apoiado pelos poderes públicos no Maranhão. Assim, agentes públicos com a obrigação fazer licenciamentos ambientais rigorosos e fiscalizar com cuidado as atividades empresariais degradadoras se omitem e se tornam cúmplices de uma forma de atuação empresarial que tem provocado o aumento de doenças e mortes em São Luís.
Cabe destacar que o Ministério Público, tanto estadual quanto federal, principalmente a partir de suas procuradorias ambientais, tem feito grandes esforços para efetivar sua obrigação fiscalizadora, acatando denúncias, abrindo inquéritos, promovendo audiências públicas, buscando o estabelecimento de Termos de Ajuste de Conduta. Se não fosse essa atuação, nossa situação estaria ainda pior. Porém, operaram em condições desvantajosas e enfrentando poderes econômicos e políticos desproporcionais.

Já a Câmara Municipal de São Luís, ao aprovar, em 2023, o Plano Diretor que reduziu mais de 30% da Zona Rural de São Luís deu uma demonstração evidente de que está ao lado daquelas forças econômicas que operam com a lógica da degradação ambiental e social do município. O silêncio ensurdecedor da Assembleia Legislativa do Maranhão sobre o importante tema da poluição na Ilha Upaon Açu diz muito, também, sobre as posições que orientam a grande maioria dos deputados estaduais.

Agência Tambor – Em dezembro do ano passado, o Movimento de Defesa da Ilha organizou um seminário importantíssimo, tratando de Plano Diretor, Lei de Zoneamento e Poluição em São Luís. O evento foi realizado na UFMA e juntou vários pesquisadores e organizações sociais, trazendo informações preocupantes e de muita relevância. Quais serão as consequências do Seminário?

Horácio Antunes – Estamos preparando uma Carta à População apresentando os principais resultados do Seminário e pretendemos fazer uma grande divulgação desta carta e das conclusões a que o Seminário nos permitiu chegar. Outro elemento importante é que, pela primeira vez em São Luís, conseguimos reunir um número importante de estudiosos e estudos qualificados que demonstram, a partir de suas sistematizações, aquilo que comunidades rurais, pescadores, agricultores, comunidades periféricas têm sentido em suas próprias peles e corpos e têm, a seu modo, denunciado.

Assim, estamos ampliando um movimento de sistematização dos estudos realizados e de organização de difusão de suas conclusões. Além disso, a partir dos debates no Seminário, já foram feitas Representações aos Conselho Municipal de Saúde de São Luís e ao Conselho Estadual de Direitos Humanos do Maranhão, que estão pautando e discutindo o tema da poluição com vistas a acionar os setores governamentais responsáveis. Outros conselhos serão também acionados.

Uma outra consequência do Seminário são as denúncias públicas sobre situações graves de poluição que estão sendo difundidas através das redes sociais do Movimento de Defesa da Ilha, na perspectiva de aumentar a consciência popular sobre o problema. Percebemos também que as últimas audiências públicas sobre poluição promovidas pelo Ministério Público Estadual estão relacionadas também com as conclusões a que chegamos no Seminário.

Ainda merece destaque o fato de que a grande imprensa tem divulgado algumas dessas denúncias, o que permite ampliar a consciência pública da grave situação que vivemos na Ilha.

Agência Tambor – É inacreditável, mas nós sabemos que existe toda uma articulação para entregar mais terras de São Luís para empresas poluidoras, incluindo industrias e empresas de construção civil. Os empresários submetem a Prefeitura e a Câmara de Vereadores, que fazem leis municipais contra a vida e em favor do lucro de empresários que não vivem no Maranhão. Explique como está hoje mais esta ameaça. E o que pode ser feito para evitar o pior?

Horácio Antunes – A ameaça de entrega de mais terras de São Luís a empresas poluidoras está se consolidando na discussão que ocorre hoje no Conselho da Cidade (Concid) em torno da revisão da Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Luís. Nas próximas reuniões do Concid (que ocorrem sempre nas terças-feira, às 14h30, na Escola de Governo do Município de São Luís e são públicas) serão discutidos os usos industriais permitidos em São Luís e sua distribuição em zonas específicas. Esse debate pode parecer muito técnico e abstrato, mas é muito importante pois leva a definições que atingem diretamente nosso cotidiano, nosso ar, nossas águas, nossos solos, nossos corpos, nossos pulmões.

Empresas de construção civil também cometem crimes em toda ilha de São Luís. E dinheiro silência o poder público

Nesse debate há um forte lobby do empresariado, através dos representantes de organizações empresariais, para ampliação dos usos industriais, de mineração, de infraestrutura e/ou de construção civil ambientalmente degradadores e de expansão sobre áreas ocupadas por comunidades rurais.
Para entendermos melhor esse processo, é necessário lembrar que a maior parte das empresas que tendem a obter ganhos com esse processo não são maranhenses, seus proprietários ou acionistas, em grande medida, nunca pisaram na Ilha, e aqueles que se apresentam como elite maranhense (em grande parte prepostos ou prestadores de serviços para grandes corporações que não são daqui) não têm apreço por nosso município: não tratam de sua saúde no Maranhão; não educam seus filhos aqui; não se divertem em nossa terra, a não ser esporadicamente; enfim, têm essa terra somente como uma grande plataforma para obtenção de seus lucros e riquezas e são detentores por um grande desprezo pela maioria empobrecida da população.

Isso faz com que, se sua pressão surtir efeito, o planejamento do município será todo canalizado para atender aos interesses do grande capital internacional e para favorecer os ganhos periféricos daqueles que, de forma colonial, o servem. Uma das coisas imediatas que podemos fazer é acompanhar as discussões no âmbito do Concid e, posteriormente, na Câmara Municipal, organizando a atuação dos grupos sociais que mais serão prejudicados pelas mudanças que se anunciam na legislação municipal.

Agência Tambor – Recentemente – entre as inúmeras barbaridades cometidas na Ilha de São Luís – a ALUMAR transbordou material cáustico. Substâncias altamente tóxicas foram atiradas no meio ambiente, na água, solo, subsolo. Diante das diferentes formas de poluição, pode se dizer que essas empresas estão com licença para matar?

Horácio Antunes – A atuação conivente e de débil fiscalização de agentes governamentais, e até mesmo do judiciário, favorecendo de forma constante os empreendimentos poluidores, a pressão que esses empreendimentos fazem para que possam continuar atuando sem adotar medidas preventivas e de controle que, inclusive, adotam em outros lugares do país e do planeta, são efetivamente uma licença para matar.

Recente vazamento de substância tóxicas na Alumar. Os crimes são graves e variados

Os dados que o Movimento de Defesa da Ilha tem reunido e divulgado através de suas redes sociais, que são dados de origem oficial ou de estudos acadêmicos rigorosos, demonstram que estamos sendo mortos pela poluição de São Luís. O aumento de número de doenças respiratórias, de pessoas afetadas por variados tipos de câncer, de doenças do trato digestivo e aumento do número de mortes causadas por essas doenças são consequências diretas de um modelo de industrialização que não respeita limites legais de emissão de poluentes e que não levam em consideração a natureza e as pessoas de nossa Ilha.

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