O Grupo de Trabalho de Regulamentação Científica da Cannabis no Brasil entregou, no último dia 14 de agosto, uma Nota Técnica ao Ministério da Saúde e à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O documento apresenta um diagnóstico detalhado sobre os entraves que dificultam o avanço das pesquisas científicas com a planta no país e propõe soluções regulatórias para superá-los.
Formado por 31 instituições acadêmicas e de pesquisa, o GT realizou um levantamento nacional que apontou mais de 400 obstáculos enfrentados por pesquisadores. Entre os principais estão a burocracia nos processos de autorização, a dependência da importação de insumos, as restrições de cultivo e a ausência de protocolos padronizados.
Em entrevista à Agência Tambor, no programa Dedo de Prosa, o professor e pesquisador da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Ricardo Monteles, destacou a importância da iniciativa. “Nós já temos um vigor acadêmico enorme, com pós-graduações e diversos grupos de pesquisa ativos, mas esbarramos em um cenário de muita dificuldade regulatória. Isso limita a ciência brasileira e mantém o país em posição de dependência tecnológica”, afirmou.
[Veja a entrevista na íntegra ao final desta matéria.]
Segundo Monteles, enquanto países como Estados Unidos, Canadá e China já registraram milhares de patentes envolvendo a cannabis, o Brasil segue atrasado. “Hoje realizamos pesquisa quase na guerrilha. Muitos colegas chegam a plantar em casa porque não conseguem autorização formal. É um atraso que compromete a soberania científica nacional”, acrescentou.
O levantamento mostrou ainda que a morosidade e a sobreposição de exigências entre diferentes órgãos reguladores — Anvisa, Ministério da Saúde, Polícia Federal e MAPA — estão entre os gargalos mais críticos. “Às vezes um pesquisador precisa enviar o mesmo documento a várias instâncias, cada uma empurrando a responsabilidade para outra. Isso gera insegurança e desestimula profissionais altamente qualificados”, explicou o professor.
Outro ponto considerado problemático é a restrição de cultivo apenas em ambientes controlados. Para Monteles, essa limitação inviabiliza pesquisas voltadas à agricultura familiar, às comunidades tradicionais e até a estudos de campo mais realistas. “Nós temos condições climáticas únicas, mas somos obrigados a reproduzir modelos importados, que não dialogam com a nossa realidade”, criticou.
A Nota Técnica também defende a criação de editais específicos de fomento à pesquisa com cannabis, tanto em sua dimensão medicinal quanto industrial. “Se abrir um edital hoje no Maranhão ou em nível nacional, vai chover de propostas. Há grupos prontos para avançar, só precisamos de financiamento e segurança jurídica”, destacou Monteles.
Entre as recomendações, estão ainda a criação de bancos nacionais de germoplasma, a padronização de insumos e extratos produzidos no Brasil e a articulação de políticas públicas interministeriais que integrem ciência, saúde e agricultura. O documento sugere que o país priorize a cannabis como área estratégica, com potencial de desenvolvimento científico, econômico e social.
O pesquisador reconhece que o conservadorismo e o moralismo ainda pesam sobre o tema, mas ressalta que o caminho para superá-los é a ciência. “Quando a pessoa precisa, ela reconhece que a planta é um remédio. Nosso papel é mostrar, com evidências, que se trata de uma questão de saúde, desenvolvimento e soberania”, concluiu.
Assista a entrevista na íntegra com o professor Ricardo Monteles, no programa Dedo de Prosa.