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Livro de Danilo Serejo cobra aplicação de Convenção da OIT

Escrito por Danilo Serejo, cientista político e quilombola de Alcântara, lançamento da Justiça Global evidencia as falhas das autoridades nacionais no cumprimento dessa norma internacional ratificada pelo Brasil

Desde o início de 2002, está nas mãos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos a análise de violações de direitos humanos do Estado brasileiro contra as comunidades quilombolas de Alcântara, no Maranhão. O caso – que se refere a um projeto da década de 1980 das forças armadas de construção de uma Base Espacial de lançamento de foguetes – tem como base um importante instrumento jurídico internacional, a Convenção nº 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que garante que povos e comunidades tradicionais sejam devidamente consultados sobre projetos que lhe dizem respeito.

O instrumento protege os modos de vida desses povos, bem como a plena permanência nos territórios tradicionalmente ocupados e o direito a decidir sobre seu próprio futuro. Desde dentro da comunidade de Canelatiua, o quilombola e cientista político Danilo Serejo, que vivencia todo o processo, analisa a importância desta convenção no livro A Convenção no 169 da OIT e a questão quilombola: elementos para o debate, lançado em 13 de abril, quinta-feira, pela Justiça Global. A obra inaugura a Coleção Caminhos, uma série de publicações da organização com temas fundamentais sobre justiça socioambiental.

Na publicação, Serejo consolida a experiência obtida na apropriação do mecanismo pelas comunidades quilombolas, que lutam para ser contempladas pelo tratado, e ao longo das muitas oficinas realizadas em Alcântara e em outras regiões do país. Assim, o autor explica, ponto a ponto ou artigo a artigo, os vários aspectos da norma, subsidiando os leitores e as leitoras para um debate mais profundo sobre o tema.

“Não se trata de um estudo sobre teorização do tema proposto e, tampouco, um trabalho reduzido a análises jurídicas. Aqui, há uma junção de saber jurídico, experiência em pesquisas acadêmicas e, sobretudo, engajamento político sobre a temática junto a povos e comunidades tradicionais, obtidos durante os cursos realizados”, explica.

Quinze anos separam o momento em que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) instituiu a Convenção nº 169, em 1989, e sua ratificação pelo Estado Brasileiro (com o Decreto nº 5.051 de 2004). Além da OIT, o direito à consulta e ao consentimento prévio, livre e informado também está previsto na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e na Declaração dos Estados Americanos sobre os Direitos dos Povos Indígenas. É um instrumento mínimo de reconhecimento da luta dos povos e comunidades tradicionais pelo respeito e pela garantia de direitos. Passadas quase duas décadas, porém, o Brasil vê obstáculos ainda mais violentos a esses sujeitos, com o enfraquecimento das políticas públicas que protegem esses povos e o meio ambiente.

Fato é que o documento nunca foi cumprido efetivamente no Brasil e a participação dos povos e comunidades tradicionais nos processos decisórios tem enfrentado obstáculos nos poderes executivo, legislativo e mesmo no judiciário, com interpretações equivocadas e mesmo negligência sobre as regras previstas no tratado. Mas o simples fato de existir tem impedido o avanço deliberado de grandes empreendimentos em territórios de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. “O Estado Brasileiro tem em mãos uma grande oportunidade de reafirmar seu compromisso com os povos e comunidades tradicionais ao permanecer na Convenção 169 e, de fato, implementá-la. Infelizmente, não há um único caso no Brasil que possamos citar como exemplo de aplicação do instituto da Consulta Prévia, Livre e Informada”, comenta Melisanda Trentin, coordenadora do programa de Justiça Socioambiental da Justiça Global.

Deste modo, a publicação vem no intuito de oferecer ferramentas informativas aos povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais, bem como aos juristas e atores-chave na tomada de decisão, sobre os aspectos da Convenção no 169 a fim de fortalecer sua efetiva implementação.

Sobre o caso do Quilombo de Alcântara

Ainda nos 1980, mais de trezentas famílias foram removidas compulsoriamente pela Força Aérea Brasileira (FAB) da região de Alcântara para dar espaço ao projeto. Em 2020, o assunto voltou aos noticiários após o governo de Jair Bolsonaro assinar um acordo para ceder a utilização da base aos Estados Unidos. Desrespeitados ao longo de todo o processo, os quilombolas de Alcântara têm travado uma luta de quase 50 anos pelo direito de existir e ocupar seu território, que sequer foi titulado pelo Estado. As duas situações levaram a comunidade a acionar as instâncias internacionais.

“Não é exagero afirmar que as situações acima referidas se constituem no paradigma inaugural que levou o Estado brasileiro a reconhecer as comunidades quilombolas perante a OIT. Sem essa atuação decisiva das comunidades quilombolas de Alcântara, talvez, o cenário de hoje seria ainda pior para nós, comunidades quilombolas, em termos de retrocessos”, afirma o autor na apresentação.

Mais: Caso de quilombolas afetados por Base de Alcântara chega à Corte Interamericana – Agência Pública

Lançamento

O livro foi lançado, em 13 de abril, em São Luís (MA), no Solar Cultural da Terra Maria Firmina dos Reis (MST). O lançamento contou com um debate sobre a Convenção no 169 da OIT e a atual conjuntura política, seguido de apresentação especial da dama do reggae maranhense, Célia Sampaio. Além do autor, a conversa foi feita com o Defensor Regional de Direitos Humanos no Maranhão, Yuri Costa; a presidenta da Atequila – Associação do Território Étnico Quilombola de Alcântara, Valdirene Mendonça; e mediação da coordenadora de programa da Justiça Global, Melisanda Trentin. O evento começou às 18h.

Sinopse

– A trajetória acadêmica e sobretudo política de Danilo Serejo, autor do primeiro livro desta coleção, dão ao material a seguir uma visão cheia de nuances sobre a aplicação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), instrumento do Direito Internacional, que tem força de lei no Brasil desde 2004, apropriado pela luta de longa data de povos e comunidades tradicionais – aqui, especialmente os quilombolas, mais tardiamente assim reconhecidos – contra violações de empresas e representantes do Estado.

É um importante apoio para movimentos sociais, defensores e defensoras de direitos humanos, estudantes e pesquisadores das mais diversas áreas e inclusive de agentes públicos, na busca pelo respeito à consulta prévia, livre e informada antes da tomada de decisões que possam vir a ter impacto, frequentemente, irrecuperáveis de bens e direitos.

Sobre a Coleção

A Coleção Caminhos é uma iniciativa da Justiça Global para debater temas relacionados à justiça socioambiental, em consonância com a luta contra o racismo e pela garantia do direito à terra e ao território como direito coletivo relacionado ao acesso aos bens comuns, à cultura e ao respeito aos modos de vida das comunidades, além de construir estratégias de responsabilização de Estados e de empresas por violações de direitos humanos. Enfatizando os processos de resistências vividos, em especial, pelas populações atingidas – daí o nome, Caminhos – a coletânea nasceu, assim, com o propósito de intensificar o diálogo com autoras e autores parceiros e reconhecidos em seus campos de atuação e diante da necessidade de aprofundar questões e conceitos relacionados que ou já têm repercussão nos sistemas internacionais ou, ao menos, merecem ter. Assim, selecionamos os temas Racismo Ambiental; Reparação Integral; Aplicação da Consulta Livre, Prévia e Informada; e Resistências à Mineração. A partir da Coleção Caminhos queremos disputar os sentidos da justiça socioambiental, visibilizar os sujeitos e os territórios e ampliar a visão de direitos humanos.

Sobre o autor

Danilo Serejo é quilombola de Alcântara/MA, comunidade de Canelatiua. É bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás, Campus Cidade de Goiás, e mestre em Ciência Política pelo Programa de Programa de Pós-graduação em Cartografia Social e Política da Amazônia da Universidade Estadual do Maranhão. Atua como pesquisador do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, com atuação em direitos dos povos e comunidades tradicionais, além de ministrar diversas palestras e cursos sobre legislação e direitos de povos e comunidades tradicionais e temas correlatos, desde 2005. Coordenou o processo de elaboração do protocolo comunitário sobre consulta e consentimento prévio das comunidades quilombolas de Alcântara/MA (2018-2019). É membro do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (MABE). Também publicou o livro “A atemporalidade do colonialismo: contribuições para entender a luta das comunidades quilombolas de Alcântara e a base espacial” (EDUEMA, 2020).

Sobre a Justiça Global

Com quase 25 anos de história, a Justiça Global é uma organização não governamental, sem fins lucrativos, sediada no Rio de Janeiro, que trabalha pela proteção e promoção dos direitos humanos, com fortalecimento da sociedade civil e da democracia. Com atividades de pesquisa, litigância nacional e internacional, comunicação e formação, atuamos hoje com programas voltados para a proteção de defensoras/es de direitos humanos e contra a violência política; violência institucional e segurança pública; justiça socioambiental e enfrentamento ao poder corporativo. Desde 2009, a organização tem status consultivo no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e é peticionária no caso Comunidades Quilombolas de Alcântara versus Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Fonte: Justiça Global.

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Paulo Roberto Moreira Lopes

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