
Uma decisão recente da Justiça do Maranhão suspendeu o projeto de crédito de carbono da empresa norte-americana Wildlife Works Carbon (WWC) na Terra Indígena Alto Turiaçu, no Estado.
O caso foi impulsionado pela denúncia do Conselho Tuxapame — organização representativa do povo indígena Capó. A alegação é de que o projeto foi implementado sem a devida consulta às lideranças da comunidade. A decisão foi considerada histórica, representando “uma vitória da autonomia indígena frente à financeirização da natureza”.
O assunto foi pauta do Dedo de Prosa na segunda (9/ 6), programa de entrevista da Agência Tambor. Gilderlan Rodrigues e Gabriel Serra, representantes do Conselho Indigista Missionário no Maranhão, falaram sobre o assunto e as preocupações dos povos da região.
(Confira a entrevista de Gilderlan Rodrigues e Gabriel Serra, representantes do Conselho Indigista Missionário no Maranhão na íntegra no fim desta matéria)
De acordo com os entrevistados, o projeto da WWC se baseia no mecanismo REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), que permite a empresas poluidoras adquirirem “créditos” gerados por áreas preservadas, em troca da manutenção de suas emissões em outras regiões.
No entanto, segundo os representantes do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), esse sistema, embora apresentado como solução ambiental, é promovido por grandes corporações e bancos com interesses comerciais, e não pelas comunidades que vivem e protegem os territórios.
Violação de direitos e conflitos internos
Os entrevistados esclareceram que, na prática, a implementação dessas iniciativas em terras indígenas implica restrições severas ao uso do território. Atividades tradicionais como caça, roça e coleta — fundamentais para a cultura e a alimentação das comunidades — passam a ser proibidas, em nome da “preservação”.
“É uma violação direta do usufruto exclusivo garantido pela Constituição”, afirmou Gabriel Serra, advogado do CIMI. Além disso, a falta de consulta prévia, livre e informada, prevista na Convenção 169 da OIT, contribui para a insegurança jurídica e o agravamento de conflitos internos entre lideranças que apoiam e rejeitam o projeto.
A suspensão do contrato pela Justiça se baseou exatamente nessa ausência de consulta a uma parcela expressiva da comunidade. A justiça determinou a paralisação imediata das atividades até que todos os fatos sejam esclarecidos, reforçando o papel da FUNAI na mediação da questão. Para os indígenas, o caso da WWC revela uma tentativa de privatização da natureza e do território coletivo, sob uma lógica de mercado que fere o modo de vida tradicional.
Alternativas sustentáveis e resistência organizada
Segundo Gilderlan Rodrigues há alternativas reais e sustentáveis à financeirização ambiental, como a agroecologia e os sistemas autônomos de governança praticados pelos próprios povos.
Ele destacou que a proteção das florestas no Maranhão — especialmente nas Terras Indígenas — se deve ao esforço histórico de resistência das comunidades, e não à ação de empresas externas. “É com os corpos que os indígenas defendem o território. Não é o mercado de carbono que vai salvar a floresta”, declarou.
Para tanto, alegam que “o desafio é imenso”, alertando que a ausência de regulamentação específica para esse tipo de projeto em terras indígenas abre espaço para assédios contratuais e iniciativas ilegais que colocam em risco a sobrevivência dos povos. Ainda assim, a decisão judicial no caso do povo Capó reacende a esperança: “Ela mostra que os povos têm voz, têm direito, e que é possível resistir”, concluiu Serra.