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Historiadores repudiam projeto de lei apresentado na Assembleia Legislativa

Foto: Divulgação

O risco do “pente fino” na História: Nota sobre o desconexo Projeto de Lei 454/2023,
que revoga do calendário oficial do Maranhão a data de 28 de julho

O deputado “Dr.” Yglésio (PSB) apresentou à Assembleia Legislativa do Maranhão projeto de lei que revoga o feriado de 28 de julho, data de adesão do Maranhão ao Império do Brasil. O teor do projeto 454/2023, por si só confuso, desarranja-se ainda mais quando acrescido das entrevistas do deputado sobre a proposta e das diferentes formas como a notícia repercutiu nas mídias sociais.

Um primeiro ponto é a estrutura do projeto, mal redigido e desconexo. Ainda assim, é possível depreender que o feriado deve ser revogado para “evitar a perpetuação de informações equivocadas”, já que a resistência ao projeto de Independência findara apenas em 31 de julho, com a adesão da vila de Caxias.

Evidentemente, tais informações procedem, mas surpreendem pela proposta a partir daí sustentada, e que não consta no teor do projeto, mas em entrevistas dadas pelo deputado: a revogação do 28 de julho e a instituição do feriado de 13 de junho, data de criação do Estado do Maranhão, em 1621. A data evocada pelo projeto se refere a um período no século XVII em que a capitania do Maranhão também compreendia o Piauí, que só seria província autônoma no século XIX.

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Chegamos então ao segundo ponto. As províncias do Norte, resistentes ao projeto de futuro instituído a partir do Rio de Janeiro nos últimos meses de 1822, foram palco de grandes movimentações populares, a favor e contra a Independência, que mobilizaram escravizados, libertos, indígenas e mulheres. Tais lutas, revitalizadas no atual contexto dos bicentenários das Independências, têm sido analisadas à luz das demandas sociais e repercutido na atuação de variados movimentos sociais e políticos, uma vez que elucidam a historicidade de pautas e lutas que até hoje são imprescindíveis para a consolidação de direitos cidadãos e políticos em
nosso estado e país.

Por isso, surpreende que ao defender “uma compreensão mais completa e precisa da história”, o objetivo final do projeto seja honrar eventos históricos “para uma maior valorização da independência do Brasil e de sua história no contexto maranhense”. É como se ao passar o “pente fino” da história, nada mais sobrasse do que um interesse comercial: atrelar o novo feriado à proximidade do dia dos namorados, interesse veladamente disfarçado pela reafirmação do tradicionalismo histórico e historiográfico do “resgate histórico da criação do Estado do Maranhão.”

A proposta do deputado deve ser arquivada pela sua falta de embasamento histórico e utilidade pública — o que caracteriza tanto o não conhecimento das mais avançadas e recentes pesquisas históricas sobre o Maranhão, quanto pelo alcance que tal medida pode ter na memória sobre um fato histórico importante da formação política do nosso estado. Definitivamente, o projeto carece de base acadêmica e até mesmo de coerência em seu texto.

A título de sugestão, já que a proposta, mesmo que equivocadamente, demonstra o interesse do deputado pelo assunto, sugere-se que ele e sua equipe façam uma visita ao Arquivo Público do Estado do Maranhão – APEM, localizado na rua de Nazaré, 218, no Centro de São Luís.

Ali não somente poderão ter contato com a documentação histórica que se refere ao 28 de julho, mas também poderão se sensibilizar com a necessidade urgente de reformas e melhorias naquele estabelecimento, que guarda milhares de arquivos sobre nossa história. Há vários anos que as diretorias daquela instituição se mobilizam, além de professores/as e historiadores/as, em
busca de recursos para que os itens guardados não se percam pelas más condições do prédio.

E, caso o interesse permaneça, ampliar os investimentos à instituição de salvaguarda do nosso passado é sempre um projeto bem-vindo, visto que o último concurso para o APEM aconteceu há trinta anos.

Refletir sobre o passado para ter novas perspectivas de futuro é uma das premissas fundamentais de historiadoras e historiadores. Seria interessante revisar as políticas públicas com relação ao passado do nosso estado.

Quais medidas podem incentivar a memória social sobre a independência do Maranhão? Como rememoramos essa história para nós mesmos como sociedade? Quem rememoramos? O que ou quem buscamos esquecer? E por quê? Responder essas questões pode ser um exercício mais válido do que sugerir um projeto desconexo, que desconsidera os perigos do “pente fino” da história.

Para tanto, é imprescindível que a Assembleia Legislativa do Maranhão efetive um diálogo e escuta ativos, que envolvam a
sociedade para compreender o que de fato a data significou no passado e o que pode significar
daqui para frente.

As Diretorias, Associação Nacional de História -Seção Maranhão (ANPUH-MA)
Núcleo de Estudos do Maranhão Oitocentista (NEMO) São Luís, Maranhão 27 de setembro de 2023

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