
Uma denúncia vinda do município de Chapadinha, no Maranhão, revelou que casas de trabalhadores rurais foram queimadas durante o período de safra do bacuri. A comunidade da Vila Borges acusa sojicultores de estarem por trás da destruição, em um contexto de conflitos fundiários que se arrastam há anos na região.
O caso foi divulgado em 28 de agosto por meio de um vídeo publicado pelo Fórum Carajás (veja a seguir). Na gravação, moradores relatam a perda dos abrigos usados durante a colheita da fruta, que garantem a subsistência de diversas famílias. “Essas casas servem de proteção para quem sobe a chapada na safra do bacuri. Além disso, são prova de posse da terra”, explicou Mayron Régis, jornalista e coordenador do Fórum Carajás, em entrevista ao programa Dedo de Prosa.
[Veja a entrevista na íntegra ao final desta matéria.]
Segundo Mayron, o incêndio não pode ser visto isoladamente. “A Vila Borges vive há anos sob pressão do agronegócio. A queima da casa foi um aviso, uma tentativa de intimidar e apagar provas de posse da comunidade”, afirmou. Ele denuncia que sojicultores, amparados por arranjos cartoriais e decisões judiciais, têm avançado sobre áreas destinadas à reforma agrária, com desmatamento ilegal e ameaças constantes.
A região abriga centenas de hectares de bacurizeiros, que foram gradualmente devastados. O jornalista aponta responsabilidade de órgãos públicos. “O ITERMA nunca regularizou as terras devolutas e o INCRA tem sido omisso ”, criticou.
Mayron também chamou atenção para o impacto ambiental. O desmatamento, que ele estima ter ultrapassado mil hectares, compromete a biodiversidade e afeta diretamente a bacia do rio Munim, fundamental para o abastecimento de municípios da região e para o turismo.
Segundo informações do Fórum Carajás, só na Vila Borges foram 700 hectares desmatados e outros 300 hectares da Vila Chapéu. “Estamos destruindo não só a nossa cultura e o sustento das comunidades, mas também a natureza e a economia local”, disse Mayron.
Além das denúncias de desmatamento, a comunidade já enfrentou episódios de barramento irregular de rios. Em Chapadinha, o rio Guará chegou a ser represado sem licença, prejudicando a fauna aquática e os moradores que dependiam da pesca. Após mobilização popular e divulgação das imagens, as barragens foram desfeitas.
O Fórum Carajás cobra maior atuação do poder público no caso, mas, segundo Mayron, ainda há morosidade. “As famílias vivem sob ameaça constante. Há quem diga: ‘vamos derrubar o que resta da chapada’. Como não ficar tenso diante disso?”, questiona o jornalista.
Para ele, a ofensiva do agronegócio no Maranhão faz parte de um processo histórico de expropriação. “O Estado não garante a permanência das comunidades tradicionais em seus territórios. Quando o agronegócio chega, vem com desmatamento, veneno e violência”, pontuou.
Apesar das dificuldades, Mayron destacou a resistência das famílias. “Se o agronegócio queima uma casa, é porque a comunidade está firme no território. Quem tenta apagar direitos garantidos, comete crime”, disse. Ele defendeu a criação de Reservas Extrativistas (Resex) como alternativa para proteger as áreas e permitir que a coleta de bacuri, babaçu e pequi continue sendo fonte de renda.
O outro lado
A Agência Tambor segue acompanhando o caso e buscou o posicionamentos do governo estadual e do INCRA sobre a denúncia. Até o momento, o INCRA ainda não enviou resposta e o Governo do Estado enviou a seguinte nota:
O Instituto de Colonização e Terras do Maranhão – Iterma informa que o INCRA realizou procedimento de desapropriação da Fazenda Sangue, situada dentro da DATA MARCOS ou SÃO LUÍS DO MARCO, abrangendo originalmente uma área aproximada de 4.000 hectares.
Entretanto, anos após a desapropriação, foi constatado equívoco no memorial descritivo, resultando na ausência de registro de cerca de 2.000 hectares, caracterizados, portanto, como área devoluta.
O Processo nº 62563/2018 trata dessa possível área devoluta, remanescente da implantação do PA Vila dos Borges. Ressalta-se, ainda, a existência do Processo nº 0149571/2023, que discute ação de usucapião referente à mesma área.
Após análise da malha fundiária, em atendimento à solicitação do INCRA, foi identificada a área de 2.000 hectares, a qual não se encontra matriculada em nome do Estado do Maranhão, tampouco possui títulos expedidos por esta Autarquia.
Dessa forma, é necessário realizar uma vistoria técnica para entender a situação fundiária atual da comunidade.
(Fonte: Iterma)
Assim que a reportagem receber uma nova informação sobre os fatos relatados, a matéria será atualizada.
[Confira a entrevista na íntegra de Mayron Régis, jornalista e coordenador do Fórum Carajás no programa Dedo de Prosa, da Agência Tambor.]