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Defensoras e Defensoras de diretos humanos em resistência para viver- O Brasil contemporâneo em guerra contra quem luta por direitos

Foto: Guilherme Mazui/g1 DF

Por: Diogo Cabral*

De acordo com a Resolução 53/144,  da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 9 de Dezembro de 1998, São defensores e defensoras de direitos humanos todas as pessoas que, individualmente e em associação com outras, promovem e lutam pela proteção e realização dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, podendo, para isso, reunir e manifestar pacificamente, constituir organizações, associações ou grupos não governamentais, debater novas ideias e princípios, bem como se beneficiar de recursos adequados em vista da promoção da democracia e defesa dos direitos humanos a nível nacional e internacional.

Ocorre que ao longo dos últimos anos, assistimos no Brasil a um espiral de ataques sistemáticos contra defensores de direitos humanos, que atuam nas mais diversas frentes, como terra/território, meio ambiente, segurança pública, LGBTQI+, etc. De acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), mais de 2.000 pessoas foram assassinadas nos últimos 35 anos em razão de conflitos agrários.

Esta situação se intensificou com a eleição de Bolsonaro, ancorada num projeto de poder de extrema direita, cujos principais aliados são milícias, grileiros de terra, agronegócio, extremistas religiosos e latifundiários. Edvaldo Rocha, Francisco Quiqui, Bruno Pereira, Dom Phillips são vítimas diretas da necropolítica brasileira, sob o governo Bolsonaro.

Nos últimos 3 anos, observou-se a expansão da violência, tanto na cidade, como no interior, o fortalecimento de organizações criminosas, o aumento da letalidade policial, o encarceramento em massa, o assassinato massivo da população negra e o assassinato de dezenas de defensores de direitos humanos. Ademais, o Brasil é um país pós-colonial que sempre foi marcado pelo autoritarismo social e por suas características inquietantes como pobreza, exclusão, desigualdades e violência. Os níveis de violência policial são particularmente elevados no país.

O número de pessoas mortas pela polícia é extremamente alto, assim como o número de policiais mortos em serviço, ambos se refletem em um número aumentado de queixas de violência policial. Conforme nota técnica Extermínio da Juventude Negra no Maranhão[1], produzida pela Sociedade Maranhense de Direitos Humanos:

No quadro geral do Maranhão, temos um amplo predomínio de homens (92,9%), negros e jovens dentre as vítimas de mortes  matadas no período 2000-2012. Os negros constituem 76,2% da população maranhense (Censo de 2010), mas representaram  85% das vítimas fatais no período 2000-2012. Na década 2002-2012, o Estado apresentou o 3ª maior crescimento do país na taxa de homicídios da população jovem (184,5%), abaixo apenas do Rio Grande do Norte (293,6%) e Bahia (249%).

A visão contemporânea das elites brasileiras segue a mesma lógica colonialista da época da colonização do Brasil. Ou seja, todo os grupos humanos que não estão em conformidade com o projeto das elites dominantes, projetos socialmente e ecologicamente autoritários, são descartados e marginalizados. Em outros termos, conforme QUIJANO[2],

a colonialidade do poder implicava então, e ainda hoje no fundamental, a invisibilidade sociológica dos não-europeus, “índios”, “negros” e seus “mestiços”, ou seja, da esmagadora maioria da população da América e sobretudo da América Latina, com relação à produção de subjetividade, de memória histórica, de imaginário, de conhecimento “racional”. Logo, de identidade.

É nesse contexto que historicamente a sociedade civil brasileira, composta tem promovido diversas denúncias de violações de direitos humanos, realizado mobilizações e pautado na seara pública e nos espaços institucionais, a partir de experiências concretas, a necessidade de constituição de políticas públicas específicas para proteção, promoção e defesa dos direitos humanos.

A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, ao longo de sua história em defesa da vida, tem realizado uma série de denúncias de violações de direitos humanos no contexto estadual e nacional e vem, de maneira permanente, acionando órgãos e mecanismos internacionais, como o Sistema Interamericano de Direitos Humanos e a Organização das Nações Unidas. Dentre as denúncias internacionais, podemos mencionar o Caso do Complexo Penitenciário de Pedrinhas e Comunidades Quilombolas de Alcântara, que tramitam na Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Caso Sr. Assis, com tramitação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Desde 2018, a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos tem status consultivo junto ao Conselho Econômico e Social (ECOSOC) das Nações Unidas, o que credenciou a organização a participar do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Nos últimos anos, a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, em parceria com organizações nacionais e internacionais, participou ativamente de debates do âmbito do Conselho de Direitos Humanos, assim como realizou eventos paralelos.

Nesse contexto de graves violações de direitos humanos, a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, o Grupo de Estudos em Direitos Humanos, Educação e Políticas Públicas- DHEPP-UEG, a Ulster University (Irlanda do Norte) e a campanha internacional Afrodescendentes Resistindo à Violência Policial – o impacto do policiamento militarizado na saúde mental da população negra residente em favelas no Brasil, realizaram uma série de eventos entre os dias 20 e 24 de junho de 2022 na Suíça.

A campanha Afrodescendentes Resistindo à Violência Policial: o impacto do policiamento militarizado na saúde mental da população negra residente em favelas no Brasil procura promover visibilidade para sistemáticas violações de direitos humanos (especialmente o direito humano à saúde mental) perpetuadas contra as populações negras que habitam áreas marginalizadas das cidades brasileiras, como as favelas. À medida que estas regiões são tomadas pelo Estado como “problema” de segurança pública, a ação da polícia militarizada tem como resultado não apenas as já conhecidas mortes e desaparecimentos, mas impactos menos debatidos sobre a saúde mental das mães, familiares das vítimas diretas e dos defensores de direitos humanos.

 Dentre as atividades realizadas e que contou com a participação de defensoras e defensores de direitos humanos, de organizações brasileiras e suíças, de pesquisadores,  destaca-se o evento paralelo à 50ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos com o tema Violações de direitos humanos no contexto do policiamento militarizado no Brasil: o direito à saúde mental, com falas das defensoras de direitos humanos Ana Paula Oliveira, uma das líderes do movimento Mães de Manguinhos (RJ), Bruna da Silva, Redes da Maré (RJ), Vanessa Francisco Sales, da resistência contra a violência policial na favela do Complexo do Alemão (RJ), cujos filhos foram assassinados por forças policiais,  Luiz Eduardo Lopes Silva, associado da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos,  Professor de História da Universidade Federal do Maranhão, e da Rede de Observatórios de Segurança e  Siobhán Wills, diretora do Transitional Justice Institute da Ulster University, Reino Unido, e codiretora do filme “It Marked Me a Lot” (Brasil/Reino Unido, 2020).

O debate central se relacionou com as evidências convincentes de que a violência policial está tendo sérias consequências na saúde mental das comunidades alvo, como as favelas do Rio de Janeiro ou comunidades rurais e urbanas do Maranhão e sobre a vida defensores e defensoras de direitos humanos.

De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz, as favelas do Rio “onde a maioria da população é negra, estão sujeitas a uma política de segurança pública extremamente violenta” e isso, juntamente com a violência das gangues, é um dos principais fatores causais nos altos níveis de depressão, ansiedade, nervosismo e transtornos de estresse pós-traumático, como pesadelos, hipervigilância, flashback, anestesia emocional, e retirada da vida social vista entre os moradores. Ainda, revelou-se o forte impacto da violência sobre a saúde mental dos defensores de direitos humanos.

Conforme artigo Pedaço arrancado de nós: o que a morte de Hamilton Dias nos diz sobre estarmos doentes de Brasil, de Cristian Gamba e Jorge Serejo[3], pesquisadores do Projeto “Enfrentando o seletivismo penal e suas consequências” (SMDH), essas mortes fazem parte de um conjunto de incontáveis mortes cotidianas que acontecem nos rincões do Brasil e nas periferias das cidades, em decorrência de condutas policiais desastrosas, incompatíveis com os regramentos formalmente constituintes do Estado de Direito.

Ainda de acordo com os pesquisadores, estar doente de Brasil, nesse contexto, é saber que a presunção de inocência e/ou a inviolabilidade domiciliar e/ou segurança jurídica, premissas fundantes dos arranjos constitucionais do Estado Democrático forjado pós-ditadura civil-militar, são flexibilizadas em nome de ações estatais truculentas cujas versões mudam todas as vezes que as autoridades vêm a público.

Diante de tantas brutalidades, evidencia-se que processos de mobilização pela base conduzido por comunidades rurais e urbanas, combinando-se com ações de denúncias de violações de direitos humanos no plano nacional e internacional são fundamentais para o enfrentamento do estado de brutalidade instaurado no Brasil.

 O fortalecimento de laços solidários e diversas formas de organização inovadoras em curso no Brasil são firmes expressões em defesa da vida que asseguram o pertencimento ao lugar, a proteção da natureza, a luta contra a violência policial e tortura, mesmo num momento conjuntural de ataques sistemáticos contra direitos humanos perpetrado pelo estado brasileiro. E é exatamente este processo de resistência que nos mantém e nos manterá vivas e vivos nos mais distintos territórios.


*Diogo Cabral, associado da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, advogado, mestrando no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioespacial e Regional – PPDSR/UEMA

[1] Disponível em http://smdh.org.br/wp-content/uploads/2016/06/exterminio-da-juventude-negra-no-maranhao-nota-da-smdh-abril-2015.pdf, acessado em 14 de outubro de 2018

[2] Quijano, A. (2005). Dom Quixote e os moinhos de vento na América Latina . Estudos Avançados19(55), 9-31. Recuperado de https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/10091

[3] https://smdh.org.br/pedaco-arrancado-de-nos-o-que-a-morte-de-hamilton-dias-nos-diz-sobre-estarmos-doentes-de-brasil/

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