Enilton Rodrigues
O assunto que trato aqui tem urgência e está relacionado as causas defendidas por diferentes organizações sociais e sindicais, e também partidos políticos.
Importante colocar um pouco do contexto histórico político e em especial da política maranhense. O Estado sempre teve papel central em termos de articulação dos processos políticos, apresentando um caráter tradicional, em função do qual a estrutura de representação e de intermediação de interesses se fundou nas diversas expressões históricas do patrimonialismo estatal. Esta noção de patrimonialismo é uma categoria elaborada por WEBER (1991) para se referir a uma das formas de dominação tradicional surgida a partir da comunidade doméstica patriarcal exatamente quando ela começa a se diferenciar economicamente e quando vai surgindo um corpo de funcionários encarregados da administração da propriedade do senhor, sendo estes funcionários patrimonialmente dependentes. Devido a este tipo de dominação, as relações estabelecidas historicamente no Maranhão entre a sociedade organizada e o Estado sempre conferiram ao Estado um papel mais ativo, ficando a articulação da organização social se dando sempre de forma subordinada à instância estatal.
Com estas estruturas de governos fortes, o Maranhão expandiu continuamente o seu poder, restringindo a capacidade de mobilização e organização do povo e com isso de suas possibilidades de influenciar os rumos das politicas públicas a partir de suas demandas específicas e legítimas. Esse processo se sustenta na centralização de recursos financeiros e políticos nas mãos de um grupo. É da ocupação desse espaço privilegiado, o Estado, que a oligarquia retira o seu poder de controlar os grupos que se manifestam na esfera social. Assim, a história política do Maranhão no século XX se caracterizou pelo surgimento de duas oligarquias, que empreenderam lutas políticas por fora da lógica da democracia liberal clássica do século XX mundo a fora, onde se busca prevalecer políticas públicas determinadas. Nesta leitura, o Estado, representa fonte de riqueza, prestígio e poder, onde a oligarquia que assume a sua posse tem muito prestígio. Nestes termos a oligarquia aqui está sendo entendida como um grupo atuante no âmbito político e administrativo que exerce um poder de mediação entre as organizações sociais.
Segundo REIS (1992), a origem da oligarquia maranhense se encontra na passagem do Império para a República, quando se formou um grupo especificamente político e administrativo capaz de se apropriar dos recursos estatais e de agir com independência frente aos núcleos de poder econômico. A dinâmica do poder no Maranhão sofreu uma inflexão fundamental em 1965 com a eleição de José Sarney para o governo estadual, pelas oposições coligadas. Esta eleição foi um marco no declínio da oligarquia Vitorino Freire, onde de 1946 a 1964, deteve a supremacia na dinâmica política do Estado. Mas, diferentemente do que ocorreu nacionalmente, em que os processos de mobilização contribuíram para acirrar as contradições do sistema econômico vigente, a crise que permitiu a José Sarney alcançar o comando do poder executivo estadual em oposição a Vitorino Freire, de acordo com CALDEIRA (1978), não tem relação com processos de mobilização popular. Sendo assim incompatível com as tentativas empreendidas, desde a década de 1950, de integração do Maranhão ao modelo capitalista que o Brasil passou adotar, ela tem raízes nos processos internos de luta dos grupos de poder pelo comando político do Estado, além de corresponder aos desejos do Governo Federal. A imposição de medidas e providências pelo governo federal, expressou a reafirmação do poder controlador e regulador de um Estado patrimonial essencialmente centralizado e expresso na ditadura de tecnocratas militares e civis pós golpe de 1964.
Segundo CALDEIRA (1978) no período 1964 a 1976 a relação que a ditadura militar estabeleceu com o Maranhão, em termos políticos, teve várias conotações, uma delas foi que no primeiro governo da ditadura militar, Castelo Branco assumiu conotação renovadora ou restauradora. É nessa conjuntura e no contexto dessas determinações que nasce o sarneísmo enquanto corrente política oligárquica, isto é, o sarneísmo é produto direto da ditadura civil militar iniciada em 1964 e a sua existência se vincula à criação da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), onde até 1970 Sarney deteve o seu controle. Assim Vitorino Freire, opositor natural do então governador por quem fora substituido, por estar no mesmo partido, decidiu se afastar das disputas política do estado. Na ARENA, firma sua posição de situação ao governo federal. Isso porque seria impossível ele manter algum tipo de convivência com Sarney, mas não poderia ser oposição formal ao jovem governador, por serem do mesmo partido. Neste termos podemos afirmar que teve a substituição do coronelismo rural (Vitorino Freire), pelo coronelismo urbano (José Sarney).
Como foi candidato ao senado pela ARENA, Sarney, deixou o mandato de governador, iniciado em 1966, antes do fim, deixando o Palácio dos Leões em 1970. Neste momento começa as primeiras tentativas de oposição a Sarney, onde seu vice Antônio Dino, que assumiu o governo, terminou o governo rompido com seu titular. Sarney só volta ao poder, neste mesmo modelo, com a indicação do governador biônico, João Castelo, que ficou no palácio dos leões de 1979 a 1982, indicação devida ao fato do já senador Sarney ser homem servil a ditadura militar. Assim como o vice de Sarney, João Castelo também rompeu com seu aliado ao fim do mandato. Neste sentido o patrimonialismo tem sido uma constante na história política do Maranhão, onde sobreviveu duas oligarquias (Vitorino e Sarney) ao longo do século XX.
Por tanto, este conceito é importante para dar conta não apenas da realidade histórica do Maranhão, mas ela se refere à própria particularidade histórica das relações políticas que estão na base da construção do Estado brasileiro, tendo nas suas origens estabelecido relações produtivas adaptadas ao desenvolvimento da ordem capitalista global sem ter as condições internas de reprodução adequadas. Todo este processo serviu de base fundante para o avanço do latifúndio, incentivado pelo próprio governo Sarney, com sua lei de terras, e com isso foi dada também as condições para a exportação da mineração carajás via Porto Itaqui. Essa realidade construída ao longo destas duas oligarquias construiu e promoveu fome, miséria, devastação ambiental e outras tragédias sociais que vivenciamos agora no século XXI.
A superação dessa estrutura segue na ordem do dia. As enchentes que atingiram, em especial, a cidade de Mirador agora em 2022, é um exemplo claro do resultado catastrófico desta política secular. Também podemos colocar na conta desta estrutura, os sucessivos assassinatos de camponeses, indígenas e quilombolas, a partir de dramáticos e notórios conflitos agrários. Essa situação de opressão, exploração e violência impõe aos maranhenses a migração, acarretando novos dramas sociais urbanos e rurais. O golpe de 2016 e a chegada de Bolsonaro ao poder em 2018, com o discurso de ódio, do aumento de armas de fogo em circulação e a liquidação das organizações sociais e sindicais, piorou muito essa realidade estadual, com mais crimes e mais violência.
Qual a saída?
O ano de 2022 tem uma importância gigante para o não aniquilamento de todos as conquista sociais e políticas dos últimos 42 anos. Aqui no Maranhão, diante desta conjuntura catastrófica que se apresenta a nível nacional, precisamos contribuir para a vitória eleitoral contra o Bolsonarismo e temos que propor uma agenda para a sociedade local, em favor da vida, das conquistas e o não retrocesso do que avançou nos últimos 12 anos, em relação a organização do povo e superação de um modo de ver o Estado. Essa agenda maranhense precisa claramente tratar dos abusos do agronegócio devastador, que avança a passos largos no nosso cerrado e Amazônia que está em curso nas mais diferentes regiões do nosso estado, via MATOPIBA, tendo destaque o sul do estado e o Baixo Parnaíba, comprometendo a vida no campo e nas cidades.
Em São Luís, a capital do nosso estado, a mineração lidera a ação de um empresariado que pretende liquidar a vida na Ilha, a partir da manipulação de um novo plano diretor, que pretende aniquilar o que ainda resta de patrimônio ambiental. No Maranhão, precisamos apontar para uma economia inclusiva, criativa, preocupada com a geração de renda e de emprego, para os que hoje seguem na pobreza. Precisamos aumentar profundamente a segurança e repensar sua finalidade, uma segurança voltada para o povo e feita com inteligência. Esta segurança tem sentido amplo, que vai desde a segurança alimentar, até um aparato policial que esteja verdadeiramente a serviço da nossa população, passando pela saúde e educação. Falo da segurança de poder viver em paz, com trabalho, respeito, dignidade e com vida em abundância! .
Essa é a luta! É pela vida! É por aí que precisamos buscar a vitória.