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Quarto de Despejo: o relato fidedigno de quem viu o amarelo da fome

Carolina Maria de Jesus é a autora do livro “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”, publicado em 1960 pelo jornalista Audálio Dantas que a conheceu durante uma reportagem na favela do Canindé, em São Paulo, onde ela morava.

A obra é um diário escrito entre 15 de julho de 1955 e 1º de janeiro de 1960. Por meio do que é descrito nas páginas é possível ter noção do dia a dia na favela e mais do que isso: o que se vê é o relato de uma mulher que não só conheceu a fome de perto como precisava lidar constantemente com sua presença nefasta, enquanto lutava para criar seus três filhos, João José, José Carlos e Vera Eunice.

Durante o período em que escreveu o livro, Carolina dividia seu tempo entre a criação dos filhos, leitura de outras obras e o trabalho de catar papéis, ferros e o que mais desse para vender em troca de alguns cruzeiros para comprar comida; catava também alimentos descartados nas feiras e açougues, acompanhada ou não pelas crianças.

A fome é tema recorrente nas páginas. A autora faz uma descrição fidedigna do que é não ter um pão para dar aos filhos ou de como amarelo é a cor do mundo para alguém que não conseguiu fazer as refeições do dia. “É preciso conhecer a fome para saber descrevê-la”, escreveu. Carolina faz um relato nu e cru da realidade de milhões de brasileiros. Apesar dos mais de 60 anos de publicada a primeira versão da obra, seu conteúdo consegue exprimir bem o Brasil de 2022.

No diário também se percebem outras perspectivas sobre temas que certamente, à época, pouco eram citados por outros autores: racismo, o desprezo aos favelados, a ganância dos donos de grandes mercados, a falta de assistência do Estado e a revolta com os políticos da época, como Juscelino kubitschek, Adhemar de Barros e Jânio Quadros.

Nas páginas de “Quarto de Despejo”, Carolina de Jesus nunca escondeu seu descontentamento em viver na favela e constantemente mencionava brigas e agressões entre vizinhos nas vielas entre os barracões. Com o dinheiro do livro esperava juntar o suficiente para deixa-la para sempre e assim fez: depois da publicação da obra, mudou-se para o bairro de Santana, na Zona Norte de São Paulo; em 1969 construiu um pequeno sítio em Parelheiros, Zona Sul da cidade, onde viveu até sua morte em 1977.

“Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada” é uma obra atemporal que descreve, sob o ponto de vista de quem viu e sentiu, a miséria e o abandono pelo Estado. Com uma linguagem coloquial, os “erros” gramaticais foram preservados para não alterar a originalidade da obra, de forma que atribuísse caráter real ao relato de Carolina.

Dentre os sentimentos de revolta e resignação, o livro instiga a reflexão ao leitor sobre o que deveria ser prioridade para quem decide se lançar na vida pública. Inclusive, há uma recomendação da própria Carolina sobre isso:

“O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora”.

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