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Democracia e jornalismo: diretor do Instituto Vladimir Herzog faz crítica fundamental à Folha de São Paulo

“A liberdade de expressão existe para fortalecer a democracia; não para ser manipulada em favor de projetos autoritários. Cabe à imprensa zelar para que seu papel de informar seja exercido com ética e responsabilidade, questionando discursos que, sob o pretexto de “opinião”, promovem, de forma muito clara e grave, um ataque a direitos fundamentais e à própria estrutura democrática”.

O parágrafo acima é do artigo de Rogério Sottili, diretor-executivo do Instituto Vladimir Herzog.

O texto, sob o título “Tentativas de golpe não são movimentos políticos”, foi publicado no ICL Notícias, no último dia 13 de novembro, analisando o fato do Jornal Folha de São Paulo publicar um artigo de Jair Bolsonaro.

Leia abaixo a íntegra do artigo:

Tentativas de golpe não são movimentos políticos

Em recente artigo na Folha de S. Paulo, o ex-presidente Jair Bolsonaro celebra o avanço da direita em eleições mundo afora em uma suposta ode à democracia. Causa enorme indignação, para o Instituto Vladimir Herzog, as dissimulações, afirmações falsas e distorções históricas contidas no texto.

Bolsonaro não apenas enaltece uma onda conservadora mundial. Na verdade, utiliza o espaço de um dos maiores jornais do país para espalhar mentiras que buscam manipular o entendimento dos leitores sobre o momento histórico que vivemos. Em outras palavras: Bolsonaro usou o próprio jornal como plataforma para sua estratégia política de desinformação.

O avanço de governos e grupos de direita, no Brasil e no exterior, não se resume à implementação de políticas conservadoras. Em muitos casos, como vimos com o próprio Bolsonaro, mas também com Donald Trump, Viktor Orbán e outros líderes de perfil similar, esse movimento está ligado a práticas autoritárias, desrespeito a direitos civis e tentativas frequentes de enfraquecer instituições democráticas na tentativa de se perpetuarem no poder. Bolsonaro, inclusive, foi declarado inelegível pelo ordenamento jurídico brasileiro por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante o período eleitoral.

Acima de tudo, esses projetos políticos se valem de ataques à imprensa, ao Judiciário e às minorias para manter o controle sobre seus eleitores e disseminar uma narrativa única, frequentemente baseada em uma verdadeira indústria da desinformação. Essa estratégia já se mostrou extremamente perniciosa para a saúde das democracias, como vimos nos lamentáveis episódios de 8 de janeiro de 2023 ou de 6 de janeiro de 2021, no Brasil e nos Estados Unidos, respectivamente.

No Brasil, inclusive, Bolsonaro teve papel direto na convocação daquela tentativa de golpe que envergonhou e revoltou a população brasileira e que, por muito pouco, não resultou numa ruptura democrática. Até agora, quase 300 pessoas já foram condenadas pelos ataques na Praça dos Três Poderes e o próprio Bolsonaro responde a um processo no Supremo Tribunal Federal (STF) em que é apontado como incitador de tais atos criminosos.

Períodos de exceção não podem ser relativizados. E tentativas de golpe não podem ser tratadas como movimentos políticos. Especialmente pela imprensa.

Enquanto veículos de comunicação continuarem a ressoar discursos como o de Bolsonaro, sem fornecer o devido contexto e correções factuais, estarão, ainda que de forma indireta, contribuindo para a degradação do debate público e o enfraquecimento da democracia. Jornalismo responsável não significa, obviamente, censurar opiniões — mas, sim, assegurar que o leitor tenha acesso a informações completas, verdadeiras e devidamente contextualizadas, especialmente quando figuras públicas influentes tentam distorcer a realidade.

A liberdade de expressão existe para fortalecer a democracia; não para ser manipulada em favor de projetos autoritários. Cabe à imprensa zelar para que seu papel de informar seja exercido com ética e responsabilidade, questionando discursos que, sob o pretexto de “opinião”, promovem, de forma muito clara e grave, um ataque a direitos fundamentais e à própria estrutura democrática.

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