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SOBRE DORES ANCESTRAIS DE QUEM SOFRE E FINGE NÃO SABER, OU COMO A LAVAGEM CEREBRAL DA BRANQUITUDE FUNCIONA

Nila Michele Bastos Santos

“Não existe nenhuma dor (angústia) exclusiva e específica dos negros por causa da cor da pele. Quem acredita nisso é racista ou um completo imbecil. As emoções dos negros são comuns a todos os seres humanos. O monopólio racial do sofrimento é uma invenção de artistas desocupados!”

Estas palavras absurdas bem que poderiam ter sido proferidas por um homem cis, hétero, rico e branco — e faço questão de demarcar esses elementos, pois são estes que infelizmente ainda se mantêm e controlam as estruturas de poder de nossa sociedade — porém essas enojantes palavras foram proferidas por Sérgio Camargo, um homem negro retinto e que infelizmente é a pessoa que ocupa o mais alto cargo na Fundação Palmares.

Evidentemente as palavras do presidente da fundação trouxeram raiva e revolta, mas, além disso, elas despertaram uma dor ancestral que nos lembra o quão longe vai o racismo estrutural de nossa sociedade.

Figuras como Sérgio Camargo sucumbiram ao racismo de tal maneira que passaram a repetir a lavagem cerebral, pela qual passaram, efetivada pela branquitude capitalista, patriarcalista, homofóbica e racista.

Sérgio Camargo nos lembra, que não basta ter um pai ativista se todas as outras estruturas sociais, educacionais, econômicas e de lazer invisibilizam e até exterminam figuras negras em lugares de poder e destaque. A branquitude colonialista criou um sistema em que essas estruturam ensinam, desde a tenra infância, que tudo que é negro é ruim. Crescemos ouvindo expressões como magia negra, lista negra, peste negra, fome negra… E não se enganem essas combinações de palavras não são aleatórias. Vivemos em um país que por várias vezes cunhou políticas higienistas de embranquecimento, excluído as pessoas negras de determinados espaços e consolidando a imagem de quanto mais próximo do branco, melhor; quanto mais distante disso, pior.

Propagou-se o juízo de que nossos narizes mais largos, nossa pele mais escura e nossos lábios mais grossos são feios ou exagerados. O cabelo bom é apenas o cabelo liso e o nosso cabelo crespo, encaracolado e encarapinhado é duro e ruim!

O negro, e tudo que lembra seu fenótipo, foi — e ainda é por muitos — associado a atributos negativos. Contudo a branquitude, e chamo aqui de branquitude não apenas pela cor da pele, mas por estarem em uma posição social de poder que faz questão de manter a segregação, criaram a falácia da meritocracia afirmando que todos, a partir de seus próprios esforços, podem chegar a patamar socioeconômicos mais altos ou mesmo aceitáveis à sobrevivência.

Muitos acreditam nisso! Alienam-se confiando que se vestindo como brancos, alisando o cabelo, se submetendo a cirurgias estéticas, ou repetindo suas ideias racistas e preconceituosas serão aceitos por eles. Ledo engano! O máximo que podem chegar é ser tolerados e usados como justificativas nefastas de que não existe racismo no Brasil.

Ora, manter toda uma população inferiorizada e marginalizada exigem estratégias de modo que nenhum discurso é isolado. Ele sempre é ideológico.

As palavras de Sérgio Camargo foram dirigidas diretamente a Zezé Mota e Djavan, duas das mais importantes celebridades artísticas negras no Brasil, tanto por suas contribuições culturais, quanto por suas posições políticas e seus papeis como representatividade Negra!

Esses artistas, assim como outros negros, não esquecem das dificuldades que o racismo lhes impôs para chegar onde estão e lutam para mudar um país em que 65% da população brasileira se choca menos pelo assassinato de uma criança negra que de uma criança branca! Sabem que existe uma política de extermínio à população negra e não se calam diante disso. Ao contrário, denunciam o retrocesso e o desrespeito ao povo negro que há em todos os segmentos sociais, além da perseguição tanto aos artistas negros, quanto aos demais que se rebelam contra as manipulações, conveniências e torturas da sociedade racista.

É fato que hoje, com o advento das redes sociais, não podem mais nos silenciar facilmente como antes faziam. Nossas Vozes e nossos gritos seguem cada vez mais altos! E isso incomoda.

Isso faz com que o sistema que mantêm o racismo estrutural veja com raiva e preocupação os resultados da lei 10.639/2003, que embora muito ainda tenha que se alcançar é inegável que foi graças a essa conquista que debates e pautas pertinentes às comunidades negras finalmente chegaram as escolas, contribuindo para conscientizações e iniciativas como o Catálogo Afro, da professora Tereza Cristiny Morais Nogueira sobre cabelo crespo e resistência no cotidiano escolar. Este além de levantar questões como o racismo chama a atenção sobre a importância da representatividade Negra positiva na construção da identidade negras de tantos jovens.

São trabalhos assim, frutos de militância e de dores ancestrais que contestam diretamente o tão propagado discurso, inclusive midiático, que naturaliza a superioridade branca e aprova o mito da democracia racial.

Descolonizar os pensamentos é um passo preciso e decisivo para pôr fim a lavagem cerebral de alienação e negação da identidade que a branquitude impôs sobre negros e negras diariamente. É somente a partir de uma educação antirracista, antimachista, anti-homofóbica que podemos diminuir os múltiplos efeitos de dor como angustia, inferioridade, insegurança, autocensura, rigidez e depressão que o Racismo traz!

É preciso ampliar cada vez mais os espaços de representatividade negra positivas, dentro e fora das escolas, para que nossos alunos Negros e Não negros ao olhar e ouvir sujeitos como Sérgio Camargo possam entendê-lo como o típico fruto do racismo estrutural da nossa sociedade, percebendo que a necropolítica aplicada a população negra além de matar corpos, destrói identidades.

Para encerrar eu deixo a resposta, pontual e certeira, de Zezé Mota, a quem o presidente da fundação palmares chamou “preta vergonhosa”.

“Temos sim, uma dor ancestral, uma luta que, pelo visto, não vai acabar tão cedo, devido a “contribuição nefasta” de certos tipos, que só contribuem para um retrocesso que só interessa ao jogo da podridão que só favorece aos jogos de interesses que são contra o avanço e o esclarecimento do nosso povo. Lutamos por um país melhor, sem dores, sem angústias, sem desesperos, sem monopólios dos “despreparados” que não respeitam as “dores” diárias do nosso povo tão “doído” tão sofrido e machucado pelos alienados que só contribuem para que a “nossa dor” seja cada vez maior. Salve todos os nossos ancestrais! Porque, tudo o que nos foi deixado é o que nos impulsiona para irmos em frente.”

E seguimos em frente na luta antirracista e antidiscriminatória e assim como fizeram nossos antecessores dos Movimentos Negros desde a década de 1970 ao ressignificar o uso da palavra negro, mostrando o quão importante, positiva e bela ela é, eu peço licença para propagar a ressignificação de outra expressão, uma necessária para ditar os rumos de nossa luta:

Nosso Futuro deve ser negro! E quando acontecer será fantástico!

Asè!

Sobre o autor

Nila Michele Bastos Santos

Historiadora, psicopedagoga, especialista em Formação de Professores. Mestra em História Social pela Universidade Federal do Maranhão. Professora do Instituto Federal do Maranhão IFMA – Campus Pedreiras. Coordenadora Geral do NEABI – IFMA / Campus Pedreiras e do LEGIP – Laboratório de Estudos em Gênero do Campus Pedreiras. Secretária Geral da Anpuh-Ma, Gestão Unidade na Luta.

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