Paulo Vinícius Coelho
A história contemporânea do Brasil prova que a defesa da democracia é imprescindível e urgente. O autoritarismo, mácula que parece estar sempre à espreita em nosso país, tomou forma e avançou contra os direitos sociais, especialmente na última década. Milhões de compatriotas foram vitimados pela carestia, o desemprego e a fome. Somou-se ao vírus que causou a pandemia, a praga da ignorância. Cultura e educação, sob a gestão do obscurantismo, foram, quando não escanteadas, atacadas.
O que os tiranos nunca entenderam é que, quando o muro separa, uma ponte une – salve Paulo César Pinheiro!
Os setores verdadeiramente comprometidos com a democracia nunca baixaram a guarda. Os fazedores e trabalhadores da cultura, destacadamente, fizeram de seus filmes, suas músicas e suas apresentações uma verdadeira fortaleza em defesa do Brasil que queremos e podemos ser.
No Maranhão, o mais tradicional evento do audiovisual seguiu arquitetando sua trajetória, alinhado ao que há de mais potente no cinema: a possibilidade de representar e mudar a realidade. Desde 1977 é assim. o Festival Guarnicê de Cinema é uma janela posicionada do lado certo da história. Quando o festival surgiu, a luta era contra a censura, a perseguição e outros sintomas da ditadura militar. Depois, nos anos 90, a extinção do Ministério da Cultura e o desmonte da cadeia cinematográfica. Recentemente, uma nova extinção do MINC, mais censura e mais perseguição.
Agora, no momento em que respiramos mais aliviados com a derrota da extrema-direita, podemos comemorar, mas sem alimentar ilusões. Afinal, democracia é caminhada constante, construção permanente.
Todos os anos, o Guarnicê escolhe um tema que orienta a programação do festival e conversa com o momento vivido pela sociedade. Em praticamente todas as edições, a democracia permeou o mote do evento. Neste ano, porém, a palavra virou protagonista, como deve ser. O Guarnicê 46 possui um tema que é um verdadeiro mantra: DEMOCRACIA EM CENA.
A máxima foi brilhantemente retratada pela artista visual Silvana Mendes, que utilizou técnicas de colagem para homenagear, principalmente, as mulheres do audiovisual maranhense. Cantava a Estação Primeira de Mangueira em 2019: “tem sangue retinto pisado atrás do herói emoldurado/ mulheres, tamoios, mulatos/ eu quero um país que não está no retrato!’’. O recado foi ouvido. Na arte elaborada por Silvana, o Brasil mulher-negra está no retrato.
Portanto, o que a edição 46 do Guarnicê propõe é um verdadeiro manifesto em defesa do cinema brasileiro e dos valores democráticos, alicerçado na crença de que a cultura só pode existir, só pode Guarnicê, no tempo da democracia. E isso significa, também, garantir que o público tenha acesso às produções nacionais nas suas mais diversas formas.
É necessário que o Estado garanta as condições para o financiamento, a produção e a distribuição do cinema brasileiro, num movimento de contraposição à hegemonia da indústria norte-americana.
Mais do que isso: para que seja verdadeiramente democrática, a cultura precisa ser capaz de representar a diversidade do povo brasileiro. É preciso que nos reconheçamos nos palcos, nas praças e nas telas.
DEMOCRACIA EM CENA, então, é comemoração com o processo de reconstrução do setor cultural brasileiro, mas é, acima de tudo, desejo de MAIS.