
O avanço do setor empresarial sobre o processo de elaboração da nova Lei de Zoneamento de São Luís ameaçam São Luis. A denúncia é de que grandes grupos da construção civil e da indústria pesada estariam influenciando diretamente as discussões dentro do Conselho Municipal da Cidade (CONCID), colocando em risco o equilíbrio urbano e ambiental da capital maranhense.
Representantes de movimentos sociais alertam para uma possível privatização do espaço urbano e para a exclusão de comunidades tradicionais da Ilha.
A Lei de Zoneamento deveria garantir o crescimento ordenado e sustentável da cidade, respeitando as áreas de preservação, os territórios rurais e o modo de vida das populações que vivem da agricultura familiar e da pesca.
No entanto, em entrevista ao programa Dedo de Prosa, da Agência Tambor, Saulo Arcangeli, membro do CONCID e do Movimento de Defesa da Ilha, e a agricultora familiar Shirley Barbosa Aires, moradora de Rio dos Cachorros, o debate tem sido conduzido sem estudos técnicos atualizados e com pressa política, o que pode comprometer o futuro da cidade.
[Assista a entrevista na integra ao final desta matéria.]
Para o professor Saulo Arcangeli, o texto em discussão é resultado de um processo iniciado ainda em 2023, quando o Plano Diretor foi aprovado às pressas, sem considerar as audiências públicas e as demandas das comunidades.
“Nós estamos discutindo o uso e a ocupação do solo com base num plano mal feito, que desconsiderou estudos técnicos e ampliou a zona urbana em áreas que deveriam permanecer rurais. O setor empresarial quer definir como a cidade vai ser ocupada — e isso é muito grave”, afirmou Arcangeli.
Entre os problemas sociais, ele cita o aumento da desigualdade, a falta de planejamento habitacional e a pressão sobre os territórios tradicionais. A ampliação da zona urbana, explica, pode levar à expulsão de famílias agricultoras e pescadoras, especialmente em regiões como Rio dos Cachorros, Taim e Vila Maranhão.
“Essas comunidades correm o risco de desaparecer, porque o objetivo do empresariado é transformar tudo em área de empreendimento. É o lucro acima da vida”, denunciou.
Shirley reforça que a lei, se aprovada da forma como está, agravará os impactos que os moradores já enfrentam.
“A gente já vem sofrendo com o avanço das mineradoras e do desmatamento. Se essa lei passar, vai piorar. Estamos perdendo o nosso território, e sem terra não tem como plantar nem pescar. As comunidades estão sendo empurradas para fora da ilha”, afirmou.
Além da expulsão social, os entrevistados alertam para consequências ambientais graves. O avanço de empreendimentos sobre áreas de mangue e brejo ameaça os lençóis freáticos e os ecossistemas que garantem a subsistência das comunidades.
“São Luís já é uma das cidades mais poluídas do país. Eles querem transformar zonas rurais em áreas de mineração e de transporte pesado. Isso vai aumentar a contaminação das águas, do ar e dos alimentos. É um projeto que destrói o meio ambiente e piora a saúde da população”, enfatizou Saulo.
As falas evidenciam que o debate sobre a Lei de Zoneamento vai muito além de um ajuste técnico: trata-se de uma disputa pelo futuro da cidade. O modelo proposto favorece a concentração de renda e o crescimento desordenado, deixando de lado o planejamento de mobilidade, habitação e saneamento básico.
“A gente não tem voz nesses espaços. Quando a população é chamada para as audiências públicas, tudo já está decidido. Eles dizem que estão ouvindo a sociedade, mas na prática é só para cumprir protocolo”, disse Shirley.
Para os entrevistados, o caminho é fortalecer os movimentos de resistência e mobilização popular, de modo que as comunidades tenham participação efetiva nas decisões.
“A cidade precisa ser pensada para as pessoas, não para os lucros. É preciso transparência, planejamento e respeito à vida das comunidades. Sem isso, São Luís vai continuar sendo uma ilha bonita, mas profundamente desigual”, concluiu Saulo Arcangeli.
Assista a entrevista completa com Shirley Barbosa Aires e Saulo Arcangeli no programa Dedo de Prosa, da Agência Tambor.