
A comunidade Santa Rosa, localizada no município maranhense de Araioses, representa um dos muitos territórios tradicionais do Maranhão em que a luta pela terra se confunde com a sobrevivência. Em meio à exploração, ameaças e lentidão do Estado, famílias camponesas seguem resistindo para manter seu modo de vida e garantir direitos básicos.
Entre os símbolos do esforço da região está a celebração do Dia Municipal de Luta pela Reforma Agrária, no dia 19 de julho. A data foi instituída em homenagem ao líder camponês Zé Nedina, assassinado em 2014 por sua atuação na defesa dos direitos territoriais em Santa Rosa.
Muito além da data, o dia passou a ser referência para movimentos sociais da região. O Maranhão lidera o ranking de conflitos agrários em 2024, com mais de 300 ocorrências registradas. “É urgente que o Estado reconheça a importância dessa luta. Não se trata só de memória, mas de dar visibilidade a uma pauta ainda atualíssima”, reforçou. As comunidades, inclusive, defendem a ampliação da data para o calendário estadual.
Santa Rosa
A história da comunidade remonta a décadas de exploração. Até os anos 1980, as famílias viviam sob o domínio de uma pessoa que se dizia proprietária das terras da União. “Era um regime de extrema violação de direitos. As famílias entregavam parte da produção, viviam sob domínio e medo”, relatou Roseane Dias, da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), em entrevista ao programa Dedo de Prosa, da Agência Tambor.
[Confira a entrevista na íntegra ao final desta matéria.]
Foi a partir da mobilização popular e do apoio de entidades como a Diocese de Brejo e a Cáritas que a resistência começou a se formar. Nos anos 1990, o Estado reconheceu que as terras pertenciam à União. “Esse reconhecimento foi um marco, mas a lentidão em regularizar a posse e garantir segurança jurídica custou vidas”, lembrou Roseane. Entre essas vidas, a de Zé Nedina, liderança da comunidade, assassinado em 2014 após sucessivas denúncias de ameaças ignoradas.
Foi em memória de Zé Nedina que se instituiu o Dia Municipal de Luta pela Reforma Agrária em Araioses. “Não é apenas uma homenagem. É um chamado à consciência coletiva sobre o que significa a reforma agrária hoje, sobre como o Estado ainda falha com os territórios”, disse Roseane. A comunidade de Santa Rosa, apesar dos avanços, ainda enfrenta dificuldades estruturais que colocam em risco sua permanência no território.
Atualmente, as famílias vivem do extrativismo da carnaúba e da pesca, mas em condições precárias. “Falta apoio técnico, acesso a máquinas e infraestrutura. As pessoas produzem, mas continuam vulneráveis”, explicou. Segundo Roseane, o extrativismo é feito entre julho e dezembro, exigindo alto esforço físico e custos com aluguel de equipamentos e insumos básicos.
A experiência de Santa Rosa revela que a reforma agrária vai muito além da regularização fundiária, reforçando o papel das instituições e do poder público na construção de políticas que ultrapassem a simples posse da terra. “Reforma agrária não é só entregar título. É garantir políticas públicas que assegurem dignidade: saúde, educação, renda e segurança”, defendeu. Para ela, os poderes públicos, incluindo prefeituras e Assembleias Legislativas, têm responsabilidade direta nesse processo.
Apesar da criação da data simbólica no município, o Maranhão segue entre os líderes nacionais em conflitos fundiários. “É urgente termos um Dia Estadual de Luta pela Reforma Agrária. Não só por memória, mas para jogar luz sobre um problema estrutural e permanente”, afirmou a representante da SMDH. A organização também defende o controle social sobre as políticas de segurança pública e o combate à criminalização de lideranças.
A íntegra da entrevista com Roseane Dias, da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, foi ao ar no programa Dedo de Prosa, da Agência Tambor — confira.