Pescadores artesanais da comunidade tiram sua subsistência da região Imagem: Luana Appel
Enquanto o Maranhão se destaca negativamente entre os estados que mais contribuem para o aquecimento global, comunidades da Ilha de São Luís seguem lutando para criar a Reserva Extrativista (RESEX) de Tauá-Mirim — um território que simboliza a resistência socioambiental e representa uma alternativa real à crise climática.
A proposta de criação da RESEX busca preservar uma das áreas mais ricas em biodiversidade da capital maranhense. Localizada na zona rural de São Luís, a região abriga manguezais exuberantes, fontes de água doce e comunidades tradicionais ameaçadas pela expansão industrial e imobiliária. A reserva é vista como o “pulmão da cidade”, essencial para o equilíbrio ecológico e o enfrentamento da emergência climática.
Em abril, foi lançada a campanha “Resex Tauá-Mirim Já”, iniciativa do Conselho Gestor da Resex que reúne lideranças comunitárias, movimentos sociais, pesquisadores e apoiadores em defesa do decreto federal que reconheça oficialmente a unidade de conservação. O movimento marcou o início da coleta de assinaturas em uma petição pública que será entregue ao Governo Federal — acesse aqui o abaixo-assinado.
Segundo Jercenilde Silva, assistente social e uma das mobilizadoras da campanha, “a reserva de Tauá-Mirim está diretamente ligada ao enfrentamento da crise climática e à continuidade da vida na ilha de São Luís”. A RESEX é uma modalidade de Unidade de Conservação voltada à proteção da natureza e à garantia dos direitos das comunidades tradicionais. O território abrange cerca de 16 mil hectares, com 12 comunidades e mais de 2,2 mil famílias que dependem do extrativismo e da pesca artesanal.
Para o professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Horácio Antunes, o modelo econômico vigente no estado aprofunda a destruição ambiental. “Temos um índice de desmatamento gigantesco, associado à expansão do agronegócio e da mineração. Além disso, São Luís abriga indústrias extremamente poluentes, como a Alumar e a Vale, que operam termelétricas a carvão. Isso contribui diretamente para o aumento das emissões e compromete a saúde da população”, alertou o pesquisador.
Os impactos são visíveis. Segundo Horácio, há registros crescentes de doenças respiratórias e câncer em São Luís. “A professora Marita, da UFMA, mostra em seus estudos que o número de casos de câncer de pulmão vem aumentando. É uma percepção que vai além dos dados: nossos próprios corpos sentem a poluição”, afirmou.
As denúncias feitas pelos entrevistados evidenciam a contradição entre discurso e prática ambiental no Maranhão. “O próprio Estado degrada o que deveria proteger. Há desmatamento dentro da Área de Proteção Ambiental do Maracanã e conjuntos habitacionais erguidos em zonas de preservação”, disse Jercenilde. “O governo fala em desenvolvimento, mas o que existe é um sufocamento das comunidades rurais, sem escolas, sem postos de saúde e com as águas contaminadas.”
A expansão desordenada da construção civil e dos condomínios também ameaça áreas antes ocupadas por pescadores. “Historicamente, as regiões à beira-mar eram de pesca. Hoje, viraram cenário de espigões e especulação imobiliária”, denunciou a assistente social. Para ela, preservar Tauá-Mirim é garantir o direito à vida e à história dessas comunidades. “A minha avó morreu com 102 anos no Rio dos Cachorros. Hoje, os riachos que abasteciam a região desapareceram. O que restou é luta e esperança.”
Horácio Antunes lembra que a resistência dessas comunidades foi decisiva no passado — como na mobilização que impediu, nos anos 2000, a instalação de um polo siderúrgico que desalojaria mais de 14 mil pessoas. “Sem a força popular, São Luís seria hoje uma cidade inviável para viver. Devemos a essas comunidades o ar que respiramos”, afirmou o professor.
A criação da RESEX Tauá-Mirim, segundo ambos, representa uma medida concreta de enfrentamento à crise climática global e local. “Os manguezais captam mais carbono do que as florestas de terra firme. Manter essa área viva é garantir um futuro possível para São Luís”, reforçou Horácio. Jercenilde completa: “Poluição e sol quente não têm fronteira. A luta pela RESEX é pela cidade inteira.”
A entrevista completa com Horácio Antunes e Jercenilde Silva foi concedida ao programa Dedo de Prosa, da Agência Tambor, e pode ser acessada no canal do YouTube da Agência.