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Racismo é crime: condenação no Maranhão mostra que a lei não está só no papel

Bare chested black woman doing stop hand gesture

A decisão é considerada histórica. No último dia 13 de agosto, a Justiça do Maranhão condenou Maria José Coelho Aguiar pelo crime de injúria racial contra a técnica de radiologia Poliana Cristina da Silva Almeida.

O caso ocorreu em 2023, na Clínica Bem Família, localizada no Maiobão, em Paço do Lumiar. A agressora ofendeu a profissional com expressões pejorativas, referindo-se ao cabelo da vítima como “fuá”. A violência resultou em uma sentença de dois anos de restrição de direitos.

Na audiência, o depoimento de Poliana emocionou os presentes: “Sim, eu chorei, mas graças a Deus eu tive uma rede de apoio grande (…) Para mim, isso é um crime, e graças a Deus eu fui bem amparada. Casos como esse não podem passar em vão, porque isso dói na alma, isso pesa”, declarou em entrevistas à imprensa e em suas redes sociais.

O resultado do tribunal é considerado emblemático, sobretudo porque ainda são raros os casos em que a Justiça aplica punição efetiva a crimes de racismo. “Essa condenação mostra que a lei não está apenas no papel, ela está sendo aplicada”, afirmou a advogada Marcela Costa Tavares, que representou a vítima. Ela falou sobre o caso no programa Dedo de Prosa, da Agência Tambor, comemorando o desfecho da ação.

Apoiadores envolvidos no caso de Poliana. Imagem Acervo CCN

Durante o processo, o Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN) atuou de forma direta, reforçando a importância da militância negra organizada na promoção da justiça. Para a entidade, a decisão representa um passo significativo na luta pela dignidade do povo negro e na conscientização de que o racismo é crime inafiançável e imprescritível.

Em suas manifestações à imprensa e nas redes sociais, o CCN deixou um recado direto: “O racismo é crime. Essa vitória judicial é também uma vitória política e cultural, pois reconhece o valor da identidade negra e a importância de espaços de resistência como o CCN. Para a sociedade, o chamado é claro: respeitem nossas histórias, nossos corpos e nossas vozes. Para o sistema de justiça, fica a responsabilidade de que essa decisão não seja exceção, mas parte de uma prática institucional comprometida com a equidade racial e a dignidade humana.”

Injúria racial é crime

Segundo Marcela Tavares, a agressora não poderá mais ser considerada ré primária, já que agora possui antecedentes criminais. “Ela vai prestar serviços à comunidade e terá restrições de liberdade. É uma lição que mostra que o racismo tem consequências”, destacou a advogada.

A condenação foi possível após a promulgação da Lei nº 14.532/2023, que equipara a injúria racial ao crime de racismo. Com a mudança, esse tipo de ofensa tornou-se imprescritível e inafiançável, com pena prevista de dois a cinco anos de reclusão.

Dados recentes reforçam a urgência do tema. Apenas em 2024, o Maranhão registrou um aumento de 300% nas denúncias de racismo e injúria racial, saltando de 19 para 76 casos, segundo a plataforma Disque 100, do governo federal. No Brasil, a alta foi de 103% no mesmo período. “Esses números não indicam necessariamente mais racismo, mas mais coragem para denunciar”, observou Marcela.

Educação para a sociedade

A advogada ressaltou ainda a necessidade de fortalecimento da educação antirracista nas escolas, prevista em lei, mas ainda aplicada de forma tímida. “Se a pessoa não aprende em casa, precisa aprender na escola. E, se não aprende na escola, vai aprender com o Judiciário”, declarou.

Ela também defendeu a fiscalização das políticas públicas já existentes, como as cotas raciais e a obrigatoriedade do ensino da história afro-brasileira. “Precisamos avançar em implementação, não apenas em leis no papel”, afirmou.

Apesar do sofrimento vivido por Poliana, a condenação traz um alento. Para Marcela Tavares, a decisão serve como exemplo para que outras vítimas denunciem: “Racismo é crime. Não precisa aceitar, mas é preciso respeitar. Cada denúncia fortalece o combate a essa violência estrutural.”

A audiência de instrução e julgamento, realizada em abril de 2025, contou com a presença da Comissão de Igualdade Racial e Direitos Humanos da OAB/MA, atuando como amicus curiae, e da Associação Nacional de Advogados Negros (ANAN). Também participaram as advogadas do Centro de Cultura Negra do Maranhão, Lígia Santos e Marcela Costa Tavares, habilitadas na defesa da vítima. A testemunha Welson, segurança da clínica, também foi ouvida.

Veja a entrevista na íntegra sobre o caso, no programa Dedo de Prosa, da Agência Tambor.

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