Foto: Reprodução/ Paco Baca.
Enquanto São Luís se preocupa, na prática, em saber se terá ou não água nas torneiras a curto prazo, a população também precisa lidar com o risco da privatização da Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão (Caema) e suas possíveis consequências.
Já circula na mídia que a empresa BRK Ambiental, que atua em 13 estados e atende os municípios de São José de Ribamar e Paço do Lumiar, pretende ampliar suas operações no Maranhão e não esconde o interesse no caso de confirmação de um processo de venda.
O cenário ameaçador acende um alerta entre representações sociais, pesquisadores e ambientalistas da capital maranhense. O temor é que a medida intensifique a exclusão no acesso à água e agrave a crise hídrica que já castiga a população da ilha. O debate ganha ainda mais urgência diante do colapso dos sistemas de abastecimento e da ausência de uma política pública consistente para enfrentar o problema.
Em entrevista ao programa Dedo de Prosa, da Agência Tambor, a geóloga e professora da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) Edileia Dutra Pereira afirmou que a privatização não resolve o problema estrutural da falta de água — pelo contrário, pode transformá-lo em um negócio lucrativo às custas da população.
“Privatizar não é o caminho. A Caema precisa ser fortalecida, de mãos dadas com a Secretaria de Meio Ambiente, para garantir água de qualidade e tratamento de esgoto eficiente”, afirmou.
Essa também é uma preocupação do Sindicato dos Urbanitários do Maranhão (STIU-MA): a manutenção da água como um direito humano e bem público essencial à vida. Em outubro, representantes da categoria participaram do Seminário Nacional contra a Privatização do Saneamento, realizado em São Paulo.

O presidente do STIU-MA, Rodolfo César, alertou para os riscos das privatizações no setor de saneamento, citando exemplos de empresas que, após passarem à iniciativa privada, enfrentaram dificuldades financeiras e falhas na manutenção dos serviços.
“Água é vida, não é mercadoria!”, reitera.
Reestatização é uma realidade
Experiências de concessão à iniciativa privada em municípios da região, como São José de Ribamar, não trouxeram melhorias significativas e resultaram em aumento nas tarifas para os moradores.
“A BRK utiliza todos os poços que eram do sistema municipal, cobra taxas mais elevadas e corta o fornecimento no mês seguinte se o morador não paga. Nem todos tiveram melhoria; ainda há problemas de abastecimento”, relatou Edileia sobre a realidade do município.
A reestatização da água é uma tendência mundial. Cidades como Paris (França), Amsterdã (Holanda), Berlim (Alemanha) e Nápoles (Itália) reverteram processos de privatização entre 2006 e 2013. Nos Estados Unidos, 67 serviços foram reestatizados nos últimos anos — cidades como Atlanta e Los Angeles retomaram o controle público de seus sistemas. Bolívia, Venezuela e Argentina também voltaram atrás em suas decisões.
No Brasil, a privatização também vem sendo revista. De acordo com a Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae), 78 casos já foram confirmados de reestatização — com cidades no estado do Tocantins, além de Itu (SP) e Santo Antônio de Pádua (RJ), que retomaram o controle público dos serviços de água e esgoto.
Diante desse cenário, por que o Maranhão deveria seguir na contramão, apostando em um modelo que já demonstrou resultados negativos na prática?
Para a pesquisadora, a privatização rompe o elo entre saneamento e meio ambiente, tratando a água apenas como um serviço, e não como um recurso vital que depende da preservação das áreas verdes.
“Não é só gestar a água; é preciso gestar também as áreas verdes. Água e vegetação são indissociáveis — uma depende da outra”, alertou.
A professora defendeu que o Estado invista em gestão pública eficiente e políticas de recuperação ambiental, em vez de terceirizar a responsabilidade do abastecimento.
“Quando o cidadão paga pela água e ainda precisa comprar água para beber, é sinal de que o sistema falhou. E a solução não está em privatizar”, disse.
O alerta vem em meio à crise hídrica mais grave da história recente da capital maranhense, marcada pela degradação do Rio Itapecuru, pelo avanço desordenado da construção civil e pela impermeabilização das áreas de recarga de aquíferos. Nesse contexto, Edileia reforça que a água deve ser tratada como direito humano, e não como mercadoria.
Razões que levaram reestatização a água
As águas foram reestatizadas no mundo principalmente devido à insatisfação com os serviços privatizados, como o aumento de tarifas, a falta de investimentos em infraestrutura e a piora no atendimento. Outros fatores que são indicados incluem o não cumprimento de contratos, a desistência de empresas privadas e a constatação de que a priorização do lucro muitas vezes prejudicou o acesso universal e o saneamento básico.
“A prioridade é a vida humana. A política das águas precisa estar dentro da cartilha do governo — e não do mercado”, concluiu Edileia.