02/12/2020
Emilio Azevedo*
Quem foi o grande vencedor da recente eleição, em São Luís? Longe das narrativas da campanha, a resposta é evidente. Foi o deputado federal Eduardo Braide (Podemos), prefeito eleito no último dia 29 de novembro, vencendo um candidato apoiado pelo Palácio dos Leões, isto é, pelo governador Flávio Dino (PCdoB).
Isolado, Braide obteve um excelente desempenho eleitoral, em 2016. Agora, em 2020, ele atraiu apoios vindos dos mais diferentes partidos, de bolsonaristas a petistas, passando por PSDB, DEM, MDB, PTB, PDT e até do PCdoB. Aos 44 anos, o futuro prefeito de São Luís se apresenta, a partir de sua vitória na capital, como uma liderança emergente, na sempre conservadora política do Maranhão.
Quanto a Bolsonaro, ele não teve, em São Luís, um candidato pra chamar de seu. Isto é um fato. No segundo turno, nós vimos dois candidatos de direita — Eduardo Braide e Duarte Júnior — fugindo da imagem de um presidente de extrema-direita. Na capital maranhense, nenhuma candidatura competitiva quis aparecer ao lado do presidente. É evidente que, em todo o país, o bolsonarismo perdeu espaço, na eleição de 2020.
Outro discurso da recente campanha foi a “volta do grupo Sarney”, a partir do resultado eleitoral de São Luís. Dos cinco partidos que estiveram com Eduardo Braide no primeiro turno, dois são controlados por figuras ligadas ao antigo sarneysmo. O primeiro é o PSD, do deputado federal Edilázio Júnior, que indicou a vice, professora Esmênia. O outro é o PSC, do deputado federal Aluisio Mendes. Nesse pacote, o empresário Fernando Sarney votou, apoiou e se envolveu na campanha do futuro prefeito. No segundo turno, o MDB também entrou de cabeça na eleição.
A questão é saber o que é hoje o “grupo Sarney” e como ele passou a ser tratado no Maranhão.
Uma das mais poderosas oligarquias da história do Brasil, esse grupo teve uma força extraordinária por conta da onipresente liderança do ex-senador José Sarney, hoje com 90 anos e aposentado. Sem participação direta do velho líder, o grupo evidentemente definhou. O MDB, que foi a última grande referência partidária do clã, tornou-se apenas mais um, entre dezenas de partidos no estado. E a maior força política dos herdeiros se concentra hoje nos meios de comunicação (Sistema Mirante/Globo), onde existe a preocupação maior em fazer mais dinheiro.
Ainda sobre a velha oligarquia, em junho do ano passado Flávio Dino fez uma visita a José Sarney, indo até a casa dele, em Brasília. Foi uma atitude pra não deixar dúvida. Foi um gesto político radical, aplaudido no PCdoB, no MDB etc. Estou falando de uma relação, que evidentemente se estende aos rotineiros patrocínios que o atual governo do Maranhão destina ao Sistema Mirante, onde Fernando Sarney é o mandachuva. Trata-se do mesmo Fernando que articulou esse propagado encontro de Brasília.
Já o senador Roberto Rocha (PSDB), eleito pelas mãos de Flávio Dino em 2014 e hoje convertido ao bolsonarismo, ganhou um naco a mais de poder, com a vitória de Eduardo Braide. Mas nada que lhe garanta um novo mandato majoritário.
Quem pode comemorar com mais entusiasmo a vitória de Braide é o senador Weventon Rocha. Comandante do PDT no Maranhão, ele foi decisivo para o candidato de oposição, lhe conseguindo votos importantes para a consolidação do triunfo. O PDT e o DEM demonstram ter hoje uma aliança estratégica no Maranhão. A coligação dos dois partidos, em São Luís, em torno da candidatura de Neto Evangelista (DEM) a prefeito, aponta para esse caminho. Terceiro colocado no primeiro turno, Evangelista, assim como o PDT, também foi fundamental para a vitória de Braide.
Rachou – Em 2020, foram expostas as vísceras de uma disputa que já existe desde 2019 e é sabida por toda a classe política do Maranhão. O vice-governador Carlos Bradão (Republicanos) e o senador Weverton Rocha, ambos ainda aliados do atual governador, são pré-candidatos ao governo do Estado, em 2022.
A derrota de Duarte Júnior foi, evidentemente, um prejuízo grande para Carlos Brandão. Os dois estão juntos no partido de Edir Macedo. Porém, independente da sonhada prefeitura de São Luis, o vice-governador do Estado espera assumir o Palácio dos Leões, em 2022. A partir daí, ele disputaria uma reeleição, com o apoio de Flávio Dino. Esse é um roteiro traçado. Mas existem os outros personagens para esse filme. Diferente do que se viu em 2014 e 2018 (quando Flávio Dino não teve adversário competitivo), as candidaturas de Weverton e Brandão podem apontar para uma disputa acirrada, em 2022.
Hoje está evidente que a sucessão estadual vai passar pela influência de diferentes lideranças e partidos. A eleição de São Luís mostrou que a coisa descentralizou, com o velho Palácio dos Leões perdendo o controle absoluto sobre a base governista. É uma situação nova, na política local. Não houve rompimento com o governo, mas foi externada uma autonomia.
E além dos nomes que já foram citados nesse texto, figuras como a senadora Eliziane Gama (Cidadania), o endinheirado deputado federal Josimar de Maranhãozinho (PL) e o presidente da Assembleia Legislativa Othelino Neto (PCdoB) terão peso e força política para reivindicar espaço numa chapa majoritária.
Oriunda da Igreja Assembleia Deus, Eliziane Gama vem se destacando, em Brasília, na oposição ao bolsonarismo. Maranhãozinho é conhecido por controlar várias prefeituras com mão de ferro, a partir de campanhas que ele financia. Foi a grana de Maranhãozinho que botou Duarte Júnior no segundo turno de São Luís. E sobre Othelino Neto, que é do PCdoB, ele votou em Eduardo Braide e está evidentemente articulado com Weventon Rocha.
Uma arma que está sendo pensada para a eleição de 2022, no Maranhão, é a antiga popularidade do ex-presidente Lula. Não foi a toa que Flavio Dino foi votar, no segundo turno da eleição em São Luís, com a extemporânea camisa do “Lula Livre”. Segundo o governador, ele prestou uma homenagem “ao maior presidente da história do Brasil”. E ninguém se espante se um impávido Carlos Bradão tentar se filiar no PT…
Para a sua sucessão, Flávio Dino poderá ter que fazer um novo arranjo, associando a eleição nacional com a estadual, onde teria que levar em conta, inclusive, a evidente fragilidade do PCdoB no país (apesar da liderança emergente de Manuela d´Ávila).
Logo após a vitória de Eduardo Braide, o historiador Flávio Soares, professor da UFMA, disse, em uma rede social, que “ficou evidenciado os pés de barro do governador do Maranhão”. Será? Vamos ver. Cada dia com sua agonia. Mas algumas perguntas já estão no ar.
É possível que Flávio Dino desista de Brandão e se renda a candidatura de Weventon? O governador vai esticar a corda? Vai tirar os cargos de quem não votou em Duarte? Tem força pra isso? É possível surgir um nome de consenso para a sucessão estadual? Pode ser a senadora Eliziane Gama? Tem ambiente pra isso? E qual será a postura do emergente Eduardo Braide, nessa futura disputa?
Ainda tem muita água pra rolar até 2022, mas o tabuleiro político do Maranhão balançou. E balançou bem forte, em 2020. Isso é evidente.
*Emilio Azevedo é jornalista, autor de livros e integrante da Rádio Tambor.