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Entre estantes e histórias: o encanto dos sebos da rua do Egito

Visão do lado de fora do Sebo do Egito. Foto: Giovanna Carvalho

Por Giovanna Carvalho

Um cliente entra na loja e logo se depara com um mundo à sua frente. As grandes estantes de livros usados, novos, pilhas de discos e Dvd’s tomam conta de toda a vista, e talvez signifique que encontrar o que ele procura levará certo tempo, mas o ambiente tranquilo e a música suave de fundo, silenciosamente o convidam a puxar uma cadeira e passar bons momentos folheando alguns livros, descobrindo as surpresas que guardam cada acervo.

Esse parece ser um cenário comum aos sebos localizados na rua do Egito, em São Luís. Enfileirados, lado a lado, como que por mero acaso, os quatro sebos guardam parte da memória do mundo, cada um com suas devidas particularidades, capazes de prender a atenção de quem passa por ali.

Seus proprietários tem uma trajetória única. No caso de José Ribamar Filho, mais conhecido como seu Riba, dono do sebo Poeme-se, tudo começou como um desejo antigo. Estar perto dos livros sempre fez parte de sua vida, pois costumava frequentar bancas de livros usados, até que elas pararam de existir. Em 1988, decidiu abrir o próprio sebo. O espaço passou por diferentes endereços, mas foi apenas em 2021 que encontrou seu lugar definitivo na rua do Egito.

Com tantos anos de experiência, seu Riba viu clientes de todos os tipos cruzarem a porta do Poeme-se. Alguns retornavam com frequência, à medida que novos rostos apareciam a cada dia. “O mais bacana é ver a turma nova entusiasmada comigo. Entusiasmada com os sebos. Vários estudantes, adolescentes. E isso é legal, ver que há novas gerações contrariando os profetas da internet que diziam que o livro iria acabar”, comemorou.

Para ele, tudo ali tem um valor sentimental, especialmente os livros usados, repletos de histórias além daquelas impressas nas páginas.

“Uma vez vi um livro que tinha uma dedicatória interessante. Uma moça o deu para um rapaz. Era o Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa. Na primeira página, a dedicatória dizia mais ou menos assim: ‘A você, que me ensinou o que é o amor e a poesia.’ Achei tão bonita essa dedicatória. Cada livro lido tem algo marcado. Uma dedicatória, uma assinatura, uma referência a alguma cidade, um cartão postal, uma foto.”, recordou.

Marcações em livro envelhecido do sebo Espaço Cultura e Poesia. Foto: Giovanna Carvalho

Entre os frequentadores assíduos do Poeme-se, Pedro Borges carrega uma ligação que vai além do gosto pelos livros e discos raros. Seu pai, Celso Borges, poeta e grande entusiasta da cultura maranhense, foi amigo próximo de seu Riba e um apaixonado pelos sebos da cidade.

“Eu vou aos sebos com meu pai desde muito pequeno, porque ele sempre passou por eles deixando livros e levando outros para casa. Ele sempre teve muitos amigos que tinham sebos e eu acabava indo também. Depois de um certo tempo, quando eu cresci um pouquinho, mudou a relação de eu ir aos sebos para procurar coisas que eu queria, como discos raros, por exemplo”, relatou Pedro.

Celso Borges também promovia lançamentos de livros no Poeme-se, durante atividades culturais. Ele faleceu em 2023, mas seu legado cultural permanece vivo. “Meu pai me passou a paixão pela música e a leitura, mas o que mais herdei dele foi a apreciação pelas pequenas coisas. Quando falamos de sebos, especialmente aqui em São Luís, é impossível não lembrar dele. Voltamos para cá em 2009, e acho que um dos motivos foi justamente esse reencontro com a cidade. Ele sempre teve esse amor pela arte local”, confidenciou.

Cartaz em homenagem a Celso Borges na entrada do sebo Poeme-se. Foto: Giovanna Carvalho

As histórias e o contato com os clientes

Algumas portas adiante, Francilene Araújo administra um dos sebos mais antigos da rua. Há 22 anos, a Casa do Livro Usado mantém uma clientela fiel, além de atrair novos visitantes em busca de raridades. Muitas vezes, o interesse por livros, discos e vitrolas passa de geração para geração.

Nesses lugares é comum que os pais levem os filhos para comprar livros e, ao mesmo tempo, apresentem a eles antiguidades, como vitrolas e livros raros, contam os sebistas. A ideia de que um livro pode ser passado adiante, em vez de ser descartado, faz parte da cultura dos sebos.

Josilene da Conceição administra o sebo mais antigo, com 32 anos de existência. Seu acervo é dividido em dois espaços: o Sebo do Egito, reservado para os livros escolares e o “Cultura e Poesia”, para os literários. Ela já viveu momentos inusitados na profissão. “Uma vez encontrei uma coleção muito rara. Quando fui pesquisar na internet, valia R$ 21 mil. Depois, consegui vender por R$ 11 mil”, contou.

Outra descoberta inesperada foi uma biblioteca antiga: “Havia uma caixa de livros. Embaixo deles, cédulas de 5 mil cruzeiros. Alguém guardou e esqueceu. Quando o encontrei, já não tinha mais valor comercial, mas foi um achado impressionante”, revelou.

Já o sebo dos amigos Felipe Pereira e Marcos Aguiar, com pouco mais de um ano, se destaca, para além dos livros, muito também pela oferta de discos e CDs. Apaixonados por música, Felipe e Marcos gostam de trocar ideias com seus clientes, na maioria jovens que redescobriram as mídias físicas, seja por influência dos pais ou das redes sociais.

“As mídias físicas, especialmente os discos, costumam ser compradas por pessoas mais jovens, na faixa dos 20 aos 30 anos. Acredito que, principalmente no caso dos discos e CDs, há uma influência do movimento da internet. Nos últimos cinco anos, os discos voltaram à moda como itens de colecionador, objetos físicos para ter e guardar. Compram pela questão estética. Às vezes, há também a influência dos pais. Como eles tinham CDs e discos, podem ter passado esse gosto para os filhos”, explicou Felipe. Ele reflete que, mesmo em tempos de e-books e streaming, os sebos continuam vivos, conservando uma tradição.

Parede de DVD’s no sebo Beco dos Livros. Foto: Giovanna Carvalho

Resistência na era Digital

Com a popularização da internet, o que antes era de mais difícil acesso, ficou ao alcance da mão. Assim, os sebos não ficaram imunes a tantas mudanças, pelo contrário, para boa parte deles, uma adaptação foi necessária.

O Poeme-se vende online desde 2005. A primeira plataforma foi a Estante Virtual, que reúne livrarias de todo o país. Depois passou a vender pelo Mercado Livre e, mais recentemente, pela Amazon.

Seguindo a mesma tendência, o Beco do Livros também aderiu à vendas pela internet. Desde o começo do negócio, eles utilizam as mesmas plataformas e ainda a Shoppe e o Discogs.

“Para para um sebo se manter hoje, ele precisa estar envolvido com vendas online. É uma receita extra, que ajuda a pagar o aluguel e as contas. Mas a melhor parte continua sendo vir até aqui, o encanto do sebo está na visita. Muita gente vem sem saber exatamente o que quer e acaba encontrando algo interessante. Isso é especial”, contou seu Riba.

Os clientes mais fiéis também compartilham da mesma opinião. Gustavo Moreno é estudante de Letras e frequenta os sebos da rua do Egito há mais de três anos. Ele gosta de passar tempo analisando as obras, procurando também por edições raras que, segundo ele, só é possível encontrar em sebos. “É possível achar, a um preço acessível, na maioria das vezes, coisas que estão fora de catálogo. Edições mais interessantes de livros muito populares, como as edições ilustradas, que não vemos mais no mercado hoje. Gosto particularmente das edições de colecionador, coisas muito raras que às vezes encontramos por um preço bem abaixo do normal. É como se fossem uma janela para outra época”, destacou Gustavo.

Dessa forma, os sebos continuam sendo o lugar ideal para quem gosta de colecionar. Weberth Ferreira é colecionador de livros e discos de vinil. Sua afinidade com certas antiguidades o levaram a abrir o próprio sebo. Mesmo antes de passar a vender na sua banca, ele já tinha muitas estantes de livros e filmes em VHS e DVD.Para ele, que sempre frequentava esses espaços, algo sempre acabava cruzando seu caminho. “Pra quem coleciona, assim, tem coisas que só dá pra achar em sebos. Os sebistas, eles guardam, talvez sem muito plano, sem muita estrutura, eles mantêm a memória do mundo, né? Porque via de regra, as pessoas descartam, né? Mas tem hora que ele para em algum lugar”, relatou Weberth.

Enquanto colecionador, Werbeth percebe que esse costume vem encantando as novas gerações. “E a gente está num período que isso é interessante, porque vale muito. A gente comprava só por comprar, E hoje sabemos o valor que tem. Eu acho que é isso que é o legal desses espaços, porque às vezes as pessoas entram sem saber o que querem e acabam encontrando uma coisa muito legal que cabe numa coleção”.

Mais do que comércio, um lugar de encontros

É um fato que manter parte das vendas online ajuda a manter o financeiro estável. No entanto, para todos os sebistas e frequentadores, a experiência que os clientes têm com os livros e os espaços, não pode ser substituída.

“Apesar dos digitais serem uma opção, quem prefere livros físicos valoriza a experiência de ter eles em mãos, levá-lo para qualquer lugar e se desconectar da internet e do celular. O livro físico sempre terá seu apelo, independentemente da disseminação dos livros digitais. E quanto mais acessível ele for, mais popular continuará sendo”, avalia Gustavo.

Felipe Pereira também destaca esse valor. “Quando o Kindle chegou, muitos diziam que o livro ia desaparecer. Mas o livro carrega um sentimento especial. O ambiente, o tempo que a pessoa passa ali, folheando e descobrindo livros, cria um diferencial. Os sebos resistem à era digital porque proporcionam essa vivência.”

Assim como o cliente assíduos que entra e se vê cercado por estantes repletas de histórias, quem visita pela primeira vez os sebos da Rua do Egito encontra mais do que livros. Descobre memórias, encontros inesperados e o encanto pela arte, reafirmando que esses espaços seguem vivos, como guardiões da cultura.

Clientes conversando no sebo Espaço Cultura e Poesia. Foto: Giovanna Carvalho

Assim como o cliente assíduos que entra e se vê cercado por estantes repletas de histórias, quem visita pela primeira vez os sebos da Rua do Egito encontra mais do que livros. Descobre memórias, encontros inesperados e o encanto pela arte, reafirmando que esses espaços seguem vivos, como guardiões da cultura.

Reportagem produzida na disciplina Teoria e Técnicas da Narrativa, sob orientação da professora doutora Letícia Cardoso, no Curso de Comunicação – Jornalismo, da UFMA. Semestre 2024.2.

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