A closeup shot of barbed wire with cobwebs Cerca elétrica, intimidação e bloqueio ao acesso à água e energia elétrica por parte de integrante do agronegócio. A Comunidade Cachoeira, no município maranhense de Matões do Norte, denuncia um dos cenários mais graves de conflito fundiário já vivenciados na região, que já é marcada por violência.
Cerca de 30 famílias acusam um integrante do agronegócio de impor ameaças constantes e impedir o acesso a serviços essenciais, situação que tem gerado medo e insegurança entre moradores.
A denúncia foi tema do programa Dedo de Prosa, da Agência Tambor. Em entrevista com o padre João Evangelista, que acompanha a situação, e com Maria do Nascimento, liderança da comunidade, foram relatados episódios que, segundo eles, configuram intimidação e violação de direitos básicos.
[Assista a entrevista na íntegra ao final desta matéria.]
“A gente vive uma situação muito complicada. Ele impede nossa passagem, ameaça, discute, coloca cerca elétrica no caminho. Até água tivemos que derramar porque não deixaram o carro-pipa entrar”, contou Maria, ao relembrar a recente tentativa frustrada de abastecimento hídrico. Segundo ela, famílias estão há mais de duas semanas sem água potável, dependendo de escolta policial para que o caminhão-pipa consiga chegar até o território.
A liderança relata ainda que a violência não é um caso isolado. “A comunidade toda é prejudicada. Ele nos chama de invasores, mas estamos na nossa terra, onde vivemos por muitos anos”, afirmou. Maria também mencionou a dificuldade de registrar boletins de ocorrência, descrevendo a delegacia da região como pouco acessível às demandas da comunidade.
Padre João Evangelista reforça o caráter estrutural das violações. Para ele, o que ocorre em Cachoeira é parte de um processo mais amplo de violência contra comunidades tradicionais no Maranhão. “Isso é racismo estrutural. É impedir água, energia, educação, acesso básico. É desumanidade”, disse. O religioso lembrou que, desde o retorno das famílias ao território, em maio deste ano, episódios de intimidação se intensificaram, especialmente com o avanço do agronegócio do arroz na região.
O padre também classificou como grave a presença de cerca elétrica em áreas de passagem obrigatória. “Isso pode matar. É uma forma de impor medo e tentar expulsar as pessoas novamente”, afirmou. Ele destacou a necessidade de atuação mais rápida das autoridades e defendeu que o caso seja acompanhado pela Secretaria de Direitos Humanos do Estado.
Apesar das dificuldades, Maria ressalta que as famílias seguem firmes. “Nosso sonho era voltar para nossa terra, e conseguimos. Agora queremos justiça. Queremos a terra reconhecida oficialmente, para que ninguém mais diga que somos invasores”, declarou.
As lideranças reforçaram ainda a importância da solidariedade entre comunidades e do apoio de organizações como a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Para o padre João, a união é a principal força das famílias diante da vulnerabilidade em que se encontram. “A comunidade precisa se sentir protegida. A luta coletiva é fundamental para resistir a esse tipo de violência”, afirmou.
Histórico da saída e do retorno da Comunidade Cachoeira
A trajetória recente da Comunidade Cachoeira é marcada por um ciclo de expulsão, perda e retomada de território que ajuda a compreender a gravidade do conflito fundiário em Matões do Norte. Segundo o relato de Maria do Nascimento, liderança local, as famílias viveram na área por mais de 16 anos, desenvolvendo roçados, construindo casas, uma capela e consolidando vínculos comunitários. Esse processo foi interrompido de forma abrupta em 30 e 31 de agosto de 2013, quando a comunidade sofreu um despejo violento.
No primeiro dia da ação, sete moradores foram presos, o que gerou pânico e desestabilização entre as famílias. No dia seguinte, as casas de palha construídas ao longo de anos foram destruídas, assim como mais de trinta roçados de mandioca. As famílias perderam não apenas suas moradias, mas também suas fontes de sustento, suas plantações e sua estrutura de vida. A partir daquele momento, ficaram fora da área, impedidas de retornar ao território onde viviam e trabalhavam.
Após anos de espera, articulação e acompanhamento jurídico, a comunidade conseguiu reocupar o território em 30 de maio de 2025. O retorno foi possível graças a uma liminar judicial, que garante temporariamente a permanência das famílias na área. Para Maria, trata-se de uma conquista simbólica e material: retomar a terra significou recuperar um projeto de vida interrompido pela violência do despejo. Ainda assim, o retorno não encerrou o conflito — pelo contrário, as ameaças e impedimentos relatados na entrevista mostram que o ambiente de tensão se mantém.
Mesmo com a liminar, a comunidade segue vulnerável, enfrentando intimidações e restrições cotidianas impostas pelo representante do agronegócio que reivindica a área. Ainda assim, a decisão de voltar reflete a insistência em reconstruir o lugar que consideram seu. Ao defender e reforçar o reconhecimento definitivo do território — “no papel, no documento” — buscam a garantia de segurança e dignidade de suas famílias.
Confira a entrevista com padre João Evangelista e Maria do Nascimento, liderança da comunidade.