A Comissão Pastoral da Terra (CPT) apresentou na segunda-feira, dia 2 de dezembro, o relatório parcial sobre a violência do campo no Brasil. Os dados são referentes ao primeiro semestre de 2024.
De acordo com o estudo, foram registradas 1.056 ocorrências de conflitos durante o período. Se comparado ao mesmo intervalo, no ano anterior, os índices baixaram aproximadamente 7% frente aos 1.127 casos, em 2023 – o que pode até parecer uma melhora, no entanto, vale lembrar que, no ano passado, o documeto apresentou o pior indicador de violência, desde 2015.
A entidade alerta que essa redução nos números não pode ser lida de forma totalmente positiva – os altos índices de violência ainda são uma realidade.
Como fica o Maranhão?
Essa preocupação é pertinente quando se avalia o Maranhão. Só no primeiro semestre, o estado já superou os 206 registros ocorridos em todo 2023. Foram contabilizados no período de janeiro a junho deste ano, 266 conflitos no campo maranhense. Dentro desse indicador, mais de 58% se refere a contaminação por agrotóxicos.
Nacionalmente, o quadro também é grave quando o assunto são os produtos químicos e biológicos utilizados indiscriminadamente nas lavouras. Em uma análise mais detalhada, o relatório mostra que os ataques decorrentes da contaminação por agrotóxicos tiveram um crescimento superior a 850%, passando de 19 ocorrências, em 2023, para 182, em 2024.
No quadro, o Maranhão, mais uma vez, se destaca negativamente com mais de 80% dos registros no país – são 156 notificações em comunidades que sofreram com a pulverização aérea.
O que torna a situação mais crítica é que os números não são o espelho da realidade, já que muitas ocorrências não são notificadas. De qualquer forma, eles são, por si só, um estrondoso sinal indicando que povos e comunidades tradicionais gritam contra essa prática violenta no estado.
Para avaliar os dados e apresentar a situação, o Jornal Tambor de quarta-feira (04/11) entrevistou Márcia Palhano e Socorro Alves.
Márcia é integrante da coordenação da CPT no Maranhão. Socorro é quilombola do território de Cocalinho, no município de Parnarama (MA).
(Veja, ao final deste texto, a íntegra da entrevista de Márcia e Socorro )
Durante a entrevista, as duas participantes deixaram claro que a guerra química tem sido mais um dos graves crimes cometidos para expulsar os povos do campo, causando insegurança alimentar, perda do acesso a água potável, supressão do território, destruição da sociobiodiversidade, além de ameaças de morte e da perda da própria vida dos povos da região.
A realidade no campo
Socorro disse que esses dados refletem a situação de violência que várias comunidades tradicionais estão passando. A quilombola falou que um dos motivos para esse aumento é a expansão do agronegócio no Maranhão.
“Estamos vivendo uma situação muito triste e caótica, e isso não é visto pelas pessoas que poderiam fazer alguma coisa pra gente não fazem”, afirmou a quilombola.
A moradora do Cocalinho relatou que um dos principais problemas que atinge a sua comunidade é a falta de segurança nos territórios e o agravamento do estado de saúde dos moradores, diante da exposição contínua ao agrotóxico. E faz uma alerta “Essa é a realidade de várias outras regiões”
Ela reforçou que “Eu sinto enjoo, tontura e dor de cabeça. Eu sinto que é por conta da pulverização aérea de agrotóxicos em nossa região”, declarou Socorro.
Para Márcia, é necessário ações urgentes e atenção do poder público em relação a situação vivenciada pelas comunidades.
A integrante da coordenação da CPT no Maranhão disse que esses dados servem para dar visibilidade a essas violências contra os territórios. E que a CPT trabalha em defesa da vida.
“è uma realidade é grave e extremamente assustadora. Essa prática precisa ser banida. Não são apenas número, mas serve, além de tudo, para cobrar e responsabilizar crimes contra essas populações”, complementou Márcia.
Ainda sobre o relatório
De acordo com os dados, a região do Matopiba, que faz fronteira de expansão principalmente da soja nas divisas dos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, registrou um aumento em diversas formas de violência em comparação ao mesmo período de 2023.
Neste ano, conforme o levantamento da CPT, o desmatamento ilegal apresentou um crescimento de 16,67%, a destruição de roçados aumentou em 30%, as ameaças de despejo subiram 60%, enquanto as ameaças de expulsão registraram um aumento expressivo de 150%.
PL contra a pulverização de agrotóxico
Márcia também trouxe para a entrevista a campanha de mobilização para criação do “Projeto de Lei Estadual de iniciativa popular contra a pulverização aérea de agrotóxicos” no Maranhão.
A iniciativa atende a uma das prioridades do Plano Pastoral do Regional Nordeste 5 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Articulação das Pastorais Sociais/Repam, que em parceria com organizações da sociedade civil, como a Cáritas Regional Maranhão e a Rede de Agroecologia do Maranhão (RAMA) lançaram a ação em uma coletiva de imprensa realizada na quinta-feira (28/11), na Faculdade Católica do Maranhão, na capital maranhense. Leia mais sobre o assunto.
(Abaixo a edição do Jornal Tambor, com a entrevista completa de Socorro e Márcia)