Ao som da música Passamento de Joãozinho Ribeiro, eleita como hino oficial do evento, o Simpósio A Luta pela Terra no Maranhão, que ocorreu entre os dias 25 a 28 de novembro, nas Universidades Federal e Estadual do Maranhão, fez ecoar o clamor do povo na afirmação “essa terra é nossa, é só repartir ”, como diz a canção. A iniciativa, encabeçada pelo Comitê de Solidariedade à Luta pela Terra (Comsolute), recebeu povos indígenas, quilombolas, camponeses, estudantes e professores para debater a questão Agrária no Estado.
Com mais de 270 inscritos no evento, o Simpósio tem ajudado a reunir e a divulgar violentos conflitos negligenciados pelas Instituições Públicas e auxiliado na estruturação de frentes de ações conjuntas para fortalecer as resistências ampliando a divulgação pública e as alianças entre o campo e a cidade.
A abertura ocorreu no dia 25/11 no prédio de Arquitetura e Urbanismo na UEMA, com a presença do histórico militante da luta pela terra Luiz Vila Nova, que compôs a mesa junta com o vice Cacique dos povos Canela e a integrante do MIQCB, Maria Macedo. O momento contou ainda com a participação especial por videoconferência do Cacique Pistola da terra indígena Caru, liderança dos Guardiões da Floresta.
A mesa expôs a profundidade das violências no campo, apresentando um panorama histórico do processo e a presença dos conflitos. De oeste a leste, de norte a sul, os conflitos se intensificam e ganham proporções cada vez maiores, assim como a resistência desses povos.
Fruto de organização independente da sociedade civil, o simpósio contou com 12 mesas no total e foi acolhido e coordenado por inúmeras organizações vinculadas à defesa dessa causa como o Coletivo Estudantil Filhos do Povo (CEFP), a União das Comunidades em Luta (UCL), o comitê de apoio ao jornal A Nova Democracia (AND), o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), o Movimento das Comunidades Populares (MCP), a Unidade Classista e diversas outras entidades como grupos de pesquisa das Universidades, Entidades e Associações.
Resistência indígena
Ainda no primeiro dia de evento, pela tarde, a mesa “Demarcação e Proteção dos Territórios Indígenas”, contou com a participação Rosa Tünycwyj Tremembé, Cacique Marino, Jaime Siqueira e Raul Canela.
A mesa demonstrou como as terras indígenas no Maranhão vem sendo atacadas, cercadas e afetadas das mais diversas formas, pela grilagem das terras públicas, pelos madeireiros, pelo serviço privado de pistolagem e como a cultura indígena vem lutando para resistir e continuar enfrentando o genocídio promovido pelas forças públicas.
Avanço da mineração
No turno da noite, o destaque foi para a exposição da mesa “O avanço da mercado da energia e da mineração sobre as comunidades tradicionais”, ministrada pelo Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMA, Elio Pantoja; pelo membro do AMAVIDA, João Otávio; pelo jornalista Márcio Zonta; pelo integrante das Brigadas Populares do Pará, Raimundinho; e pela lutadora contra os avanços da mineradora canadense Equinox Gold no município Godofredo Viana, Maria do Socorro.
A mesa abordou o avanço da mineração no território maranhense, denunciou a extração dos recursos naturais das áreas populares e apontou que essa forma de saque tem sido as grandes responsáveis pelas irregularidades e violências vividas pelos povos na região.
“O que tem sido feito nas nossas terras pela Equinox Gold é inacreditável e inaceitável, nossas vidas tem piorado e já tentamos dialogar com todas as forças públicas, mesmo sem as respostas necessárias”, ressaltou Maria do Socorro sobre a experiência da comunidade com a presença da mineradora na região.
Arte, luta e resistência
No segundo dia do evento, a manhã começou embalada por um debate sobre “a arte na e para a luta do povo. Participaram do momento cineastas, cordelistas, grafiteiros e entusiastas de uma boa arte que possa ser usada como ferramenta na luta do povo.
Acompanhado por José Murilo, Moisés Nobre e Nina Armond na mesa, o cineasta Daniel Moreno resumiu o caráter do momento. “Dos eventos realizados nos últimos anos esse é o mais importante porque foi realizado de forma independente. Isso é uma prova que se pode colocar para tantas pessoas que dizem que seu o Estado não é capaz de fazer luta. E hoje nós conseguimos!”, destacou.
No turno da tarde, profissionais que atuam no campo da regularização fundiária em nosso Estado debateram os principais entraves nesse processo.
Já pela noite, representantes quilombolas e estudiosos da resistência desses povos falaram sobre a luta travada pela população negra no Maranhão.
Em um gancho com a temática da mesa anterior, o professor David Pereira ressaltou a dificuldade em reconhecer e titular os territórios quilombolas e destacou a responsabilidade do Estado pela violência e opressão sofrida pelas comunidades tradicionais nesse processo.”É crime premeditado. Por que tem dinheiro para plano safra, mas não tem pra titulação?”, disse.
Aliança campo cidade
No terceiro dia, pela parte da manhã, na mesa “Campo e cidade: questão ambiental e luta pela terra no Maranhão”, expôs o modelo de desenvolvimento, concentrado no monopólio da terra, que está sendo implementado no Maranhão, vem destruindo cada vez mais as condições mínimas de existência tanto para as comunidades originárias, indígenas, camponesas e quilombolas, como para a sociedade civil como um todo, destacando a necessidade do conjunto da sociedade se mobilizar contra esses desmandos.
O professor do Departamento de geografia da Universidade Federal do Maranhão, Horário Antunes, assim como o advogado Guilherme Zagallo, expuseram detalhadamente com dados, documentos e relatórios como as grandes empresas têm afetado a vida e as condições de existência no Maranhão.
Pela tarde, na mesa “Violência Estrutural e sua implicação na saúde e educação das comunidades rurais e tradicionais” que contou com a participação o professor da UEMA Henrique França, o médico antrópologo István Varga, a indígena Rhjwaa Kreepym e Rebeca Rodrigues, vice-presidente da Executiva Nacional dos Estudantes de Pedagogia (EXNEPe).
Todos contra a grilagem de terra
Pela quinta-feira, dia final do evento no prédio de História da UEMA no Centro Histórico, a mesa “Grilagem e ditadura militar-empresarial no Maranhão” com a presença das professoras Milena Galdez, Karina Borges e do líder camponês Luiz Vila Nova abordaram historicamente a questão da grilagem e da luta camponesa e, na mesa “Grilagem e violência: consequências da negação de direitos ao campesinato maranhense”, trouxemos três casos emblemáticos dos conflitos hoje no estado, com a presença das lideranças camponesas Admilson Nonato, Assis Brito, Benedita Correa, Giovana Aires representando a Aconeruq e do advogado popular e membro do COMSOLUTE Roniery Rodrigues Machado.
À noite, abordamos a questão do direito vinculado à causa da luta pela terra na mesa “A defesa jurídica dos povos e comunidades tradicionais no Maranhão”, com a presença dos advogados populares Fernanda Ferreira, Rebeca Costa, e o secretário- geral do COMSOLUTE, Jorge Moreno. No encerramento, convidamos a mestra bonequeira Joana Bittencourt para apresentar uma cena da peça “Cabra Marcado pra Morrer”, adaptação do cordel de Ferreira Gullar. O evento terminou com grande ânimo, com a aprovação coletiva de pontos para um documento que servirá de encaminhamento do evento, a ser publicado nos próximos dias.
O Simpósio objetiva demonstrar a atualidade da luta pela terra no Maranhão, sua historicidade, as perspectivas e experiências compartilhadas de resistência entre as organizações, entidades, militantes e pesquisadores das mais diversas áreas comungando seus conhecimentos e visões para unificar todos numa só luta: a luta contra a concentração das terras nas mãos de poucos, a grilagem, e em defesa da terra para quem nela vive e trabalha.
Nas palavras do Presidente do Comitê de Solidariedade à Luta pela Terra (COMSOLUTE), Luís Vila Nova: “Esse evento busca mostrar que a luta não parou e continua, com cada vez mais força. Nosso trabalho é para justamente fazer o povo sentir que deve se organizar, e organizar logo!”.