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Chamas avançam nos quilombos: incêndio devasta território

Sem apoio, fogo é contido pelos próprios quilombolas que lutam pela preservação das casas e sua subsistência.

O território quilombola Jacarezinho, localizado no município de São João do Soter, no Maranhão sofre com as consequências de um incêndio que teve início no sábado, 22, causando destruição no território. A comunidade afirma que o fogo foi provocado e denuncia o crime através das redes sociais. Sem o apoio de brigadas oficiais, os moradores têm enfrentado a violência de forma independente, as chamas foram contidas utilizando técnicas como aceiros para proteger casas e meios de subsistência dos quilombolas.

A situação expõe a vulnerabilidade de comunidades tradicionais em meio a conflitos fundiários históricos e à ineficiência das políticas públicas de prevenção e combate a incêndios.

De acordo com relatos de moradores, o fogo partiu de um terreno vizinho e se alastrou rapidamente. Atingiu primeiramente a comunidade Bom Descanso, seguiu para Boa-Fé, onde causou “uma grande devastação”, e, na terça-feira (25), chegou à comunidade Bacurí, deixando o quintal das casas queimado. “O pior já passou, agora o fogo está controlado, com poucos focos”, afirmou uma quilombola, que ressaltou o prejuízo à “nossa sustentabilidade”. Até o momento, não há registros de mortes ou perda de propriedades construídas.

Um território sob cerco histórico

O incêndio ocorre em um contexto de violência e perseguição de longa data. A comunidade do Jacarezinho está em processo de desapropriação e sofre com a ação de grileiros há anos. A tensão no território já resultou em tragédias: em 2022, uma liderança quilombola foi assassinada com seis tiros próximo à rodovia MA-127. Um ano depois, diversas famílias relataram ameaças de sequestro e a presença de posseiros invasores em suas terras.

Essa violência não é um caso isolado, mas reflete um padrão nacional. Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) consolidam o Maranhão como um dos estados com maior número de conflitos no campo no país, frequentemente envolvendo disputas por terras de comunidades tradicionais. A situação no Jacarezinho é um exemplo trágico de como os conflitos fundiários se desdobram em ataques ambientais, onde o fogo é utilizado como ferramenta de intimidação e de tentativa de expulsão.

A omissão do Estado e a resistência comunitária

A denúncia traz à tona a grave omissão do poder público. A ausência de uma brigada municipal de incêndios em São João do Soter força os quilombolas a atuarem como bombeiros voluntários de seu próprio território, colocando em risco suas vidas para proteger o que resta. Essa falha se soma à morosidade na regularização fundiária e à insuficiência de medidas protetivas para as lideranças ameaçadas.

A articulação de entidades como o Moquibom, coletivo que atua no monitoramento de queimadas no estado, a CPT, que documenta e denuncia a violência no campo, e a campanha “Agro é Fogo”, que evidencia a relação entre o agronegócio, os incêndios e a grilagem, é fundamental para dar visibilidade a casos como este. Juntas, essas organizações pressionam por respostas do Estado e apoiam a resistência das comunidades.

Enquanto o fogo é contido a custo pelos próprios quilombolas, a pergunta que permanece é sobre o futuro da comunidade. A destruição da vegetação e dos recursos naturais compromete sua segurança alimentar e sua cultura, aprofundando uma crise humanitária que é, antes de tudo, política e fundiária. A sobrevivência do Jacarezinho depende não apenas do controle das chamas atuais, mas de uma atuação decisiva do Estado para garantir o direito ao território e à vida.

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