Por Flávio Reis
Na vida nos deparamos, em certas situações, com o imponderável. Ele se estabelece e… pronto! Temos de conviver com o ocorrido, encontrar uma maneira de dar sentido, perceber sinais, projetar anseios, nos debatendo ante o inesperado. É o que ocorreu na terça-feira, 12 de novembro, no Centro de Ciências Sociais da UFMA, com a morte do professor Junerlei Dias de Moraes Salleti, no prédio onde lecionava há mais de 30 anos no curso de Comunicação Social.
Buscar palavras aqui é apenas uma tentativa de diminuir o nó que aperta a garganta, percorrer os caminhos sempre insuficientes da escrita para expressar esse espanto. Mas guarda também um traço de saudação, de agradecimento pelo que se compartilhou, da vida que se viveu, da falta que fará.
Junerlei era um professor singular, desses que existiam na universidade, aqui e ali, sempre bastante minoritários, mas hoje já em total extinção. A principal característica destes tipos era uma curiosidade aguçada, a voracidade da leitura ampla e variada. Junerlei aliava a paixão dos livros ao amor igualmente intenso às artes. Sacava de tudo, literatura de várias épocas, poesia, romances, contos, mas também muito cinema (do qual era mesmo um aficionado), teatro, artes visuais. Ao que parece, não era muito de música, pelo menos não com aquela intensidade. Passava de um campo para outro facilmente, numa conversa veloz, abundante, na verdade, transbordante, farta.
Não fazia o gênero do professor racional, lógico. Em certa medida, era até o contrário disso. Praticava mais a linha da conversação anárquica, da empolgação exagerada, da provocação dita de passagem, sem alarde, e da sátira. Uma estrutura de pensamento fluida, intencionalmente dispersa, mas sempre informada e, ao mesmo tempo, curiosa, aberta a novas percepções. Feixes de observações, informações, lembranças que iam saindo de forma quase inesgotável, as palavras se atropelando.
Olhando agora, lembro do saudoso professor Caldeira, do departamento de Sociologia e Antropologia, que ministrou muitas aulas também no curso de Comunicação, na antiga cadeira de Realidade Sócio-econômica e Política Brasileira, um verdadeiro espaço de vale-tudo intelectual, feito ao arrepio dos programas oficiais. A conversa era vasta, tirando logo o chão doutoral do “especialista”.
São professores que convocam a liberdade e estimulam a criatividade. No fundo, são figuras rebeldes, muitas vezes mal vistas pelos seguidores fiéis da burocracia acadêmica e tidos como “improdutivos” ou até “enrolões”. Não por acaso, costumam ser bem próximos dos estudantes. Em uma palavra, eles se misturavam mesmo era com a moçada, de onde tiravam a seiva para se manter à margem dos cânones estabelecidos, que sempre ridicularizaram.
suas forças, absolutamente impávida ante seu sofrimento.
Junerlei morto na sala de aula do CCSo é um desfecho trágico a essa existência alegre e luminosa. No fundo, foi sugado numa máquina uniformizadora cada vez mais eficiente em impedir a criatividade e a alegria. Houve um tempo, não muito distante, que a universidade era espaço de invenção e resistência, de trocas e sonhos. Hoje, é um lugar esvaziado, vivendo em agonizante desertificação, perdida entre a fantasia farsesca da competência e o pesadelo real da diluição no mercado. Nela não há mais espaço para figuras como Junerlei, um rebelde desconcertante que ia decidido para a briga empunhando uma flor. Tempos difíceis, de espanto e dor, no ano em que perdemos, em condições similares, outro professor da mesma linhagem, Antonio José, do departamento de Filosofia. Os que ficamos, seguimos carregando nossos mortos, suas lembranças e lutas.