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Racismo explícito no Maranhão

Foto: Divulgação

Autor: Igor de Sousa*

Escrever sobre conflitos agrários não é tarefa fácil. Não se trata de números ou de estatísticas frias, mas de pessoas e comunidades que tem suas vidas afetadas pela disputa por terra-território, e muito comumente, enfrentam grandes projetos de desenvolvimento, agronegócio e o latifúndio.  Essa situação não é diferente na comunidade quilombola de Marmorana 3/Boa Hora, localizada no município de Alto Alegre, interior do Maranhão. Desde o começo de 2022 ela se vê envolvida numa trama de violência que tem impedido condições mínimas de sobrevivência de mais de 30 famílias que tem tido suas roças destruídas e vivenciam graves ameaças de jagunços armados que rondam suas casas e plantações.

 O racismo é explícito. Algozes contam com a impunidade, letargia do Estado e instituições de direito e tem as condições perfeitas para implantar um regime de terror racial a olhos vistos. Lideranças perseguidas, adoecimento mental e psicológico, açudes cercados, poços entupidos, rondas de carros, homens armados vigiando áreas da comunidade agora cercadas. O cenário é de imposição da fome e migração forçada, em que lideranças se preocupam com as condições mínimas para si, seus filhos e mais velhos, pois há impedimento de cultivos básicos.

 Em 8 de maio de 2023, as lideranças Raimunda Nonata Costa da Silva e Jesusmar Costa da Silva foram entrevistados pela Agência Tambor e relataram o grave conflito que estão passando.  Certificada em 2007 pela Fundação Cultural Palmares e com processo de titulação parado desde então, o quilombo enfrenta desde 19 de maio de 2022 o grileiro Antonio Marcio de Oliveira, proprietário da Exata Magazine de Alto Alegre e São Mateus que tem realizado desmatamento de biomas nativos e cercamento de áreas, impedimento os quilombolas da produção de itens básicos de sua alimentação, como arroz, feijão, milho, fava e coco babaçu, revela Raimunda da Silva. As roças para o sustento da comunidade foram totalmente destruídas por tratores e após de quase um ano há grave insegurança alimentar entre as famílias.

Ela também revela o ambiente de terror implantado, já que quilombolas não podem circular livremente, com homens armados rondando suas antigas áreas de produção. Antonio Marcio já foi preso por crimes de desmatamento em 2022, tendo queimado áreas de mata e destruído casas, inclusive de uma mulher grávida para construção de uma fazenda.  Alega cinicamente possuir licenças para desmatamento, o que tem se repetido em diferentes regiões do estado e tem sido denunciado por organizações da sociedade civil no Maranhão, pois licenças emitidas pelo Governo do Estado do Maranhão têm funcionado como mecanismos de expulsão e imposição de violência contra comunidades rurais.  

“A situação de intimidação é 24 horas. Tudo o que nós faz esse homem destrói”, revela Jesusmar da Costa. Na entrevista revelam o uso de drones para monitorar a comunidade e o uso da força pública de segurança para intimidá-los, cerceando o direito de reunião dos moradores.  A situação é de urgência e as lideranças cobram celeridade do poder público, para além do acompanhamento de organizações da sociedade civil e sindicalismo rural.  O cenário é de massacre no campo maranhense, com a violência sendo a lei e a impunidade do latifúndio prática comum. “Queremos paz, queremos liberdade. Queremos colocar comida na mesa dos nossos filhos”, disse Raimunda Nonata da Costa de Jesus.

É fundamental a investigação do poder público, pois o Maranhão pode continuar a ser um cemitério a céu aberto de seus povos e comunidades tradicionais. São necessárias ações efetivas para impedir mais mortes no campo, a garantia de condições de vida digna e permanência nos territórios.  

*Antropólogo, autor do livro Movimento Quilombola no Maranhão

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