
Após inúmeras denúncias de omissão e descaso no atendimento à saúde básica, o povo Akroá Gamella conquista o direito fundamental de acesso à assistência. A Justiça Federal determinou, no fim de junho, que a União constitua, no prazo de 45 dias, uma Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena (EMSI) para atender de forma contínua a comunidade do Maranhão. A decisão judicial atende a uma ação civil pública movida em 2019 pelo Ministério Público Federal (MPF).
A EMSI deverá ser composta por médicos, odontólogos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e agentes de saúde, conforme prevê a legislação federal. A medida beneficia diretamente os moradores do Território Taquaritiua, nos municípios maranhenses de Viana, Matinha e Penalva, onde vive o povo Akroá Gamella. A determinação judicial impõe ao governo federal o cumprimento do que já está previsto no Sistema Único de Saúde (SUS) e no subsistema de atenção à saúde indígena.
Durante entrevista ao programa Dedo de Prosa, da Agência Tambor, os líderes Domingos de Cilus Akroá Gamella, Craw Craw Akroá Gamella e Kumtum Akroá Gamella, que integram o Conselho de Lideranças do povo, relataram a situação crítica vivida há anos. De acordo com os relatos, os indígenas enfrentam dificuldades para acessar consultas básicas, exames e encaminhamentos, sendo obrigados a aguardar por meses — ou anos — por atendimento, o que já resultou em mortes evitáveis na comunidade.
As lideranças destacam que, mesmo com diversas idas a São Luís, Imperatriz e Brasília para denunciar a situação, o povo Akroá Gamella continuou excluído da política pública de saúde indígena. “A gente não quer favor. A gente quer o que é nosso por direito. Queremos apenas que a União cumpra a lei”, afirmou Kumtum, ao relembrar que, desde 2017, após episódios de violência e ataque ao povo, há uma luta contínua pelo reconhecimento e acesso à saúde.
Outro ponto grave denunciado no programa é o racismo institucional. Domingos, que é agente de saúde, afirmou que indígenas são muitas vezes invisibilizados nos sistemas de saúde, com fichas preenchidas como “pardos” ou “sem identificação”. Essa omissão impede que os dados reflitam a realidade e dificultam o acesso a políticas públicas específicas. “Ser indígena aumenta o sofrimento”, afirmou. Há também denúncias de maus-tratos, descaso e preconceito por parte de profissionais da saúde nos municípios da região.
A ausência de uma equipe própria de saúde tem obrigado as famílias a custear o transporte e o atendimento por conta própria. Exames são realizados apenas mediante “vaquinhas” ou contribuições da comunidade. Casos de gestantes, crianças com autismo e pacientes com câncer aguardando por meses sem atendimento foram citados como exemplo da negligência enfrentada.
Para o povo Akroá Gamella, a decisão da Justiça Federal é uma conquista histórica, mas é apenas o início. As lideranças ressaltam a importância da mobilização e da vigilância para que a determinação judicial seja realmente cumprida, dentro do prazo estipulado, e com estrutura adequada para que a EMSI funcione de forma contínua e eficaz. “O papel do Estado é garantir os direitos, não empurrar os povos ao esquecimento ou à morte”, afirmou Craw Craw.
Direito constitucional
O direito à saúde dos povos indígenas é garantido pela Constituição Federal e regulamentado por normas específicas, como a Lei nº 9.836/99. O Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS), que integra o Sistema Único de Saúde (SUS), prevê o atendimento diferenciado e integral às populações indígenas, respeitando suas culturas e particularidades.
A entrevista completa com os representantes do Conselho de Lideranças do povo Akroá Gamella está disponível no programa Dedo de Prosa, da Agência Tambor.