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Arte urbana: consumida por todos. Valorizada por quem?

Produção de Gil Leros, em parceria com o coletivo Efeito Colateral, para homenagear os 50 anos do Hip-Hop.

Por Alice Everton e Rafael Heluy

Carros em congestionamento, pedestres correndo para chegar ao seu destino sem atraso, vendedores ambulantes tentando comercializar para garantir uma pequena renda no final do dia. Classes diferentes que habitam os mesmos lugares em diferentes circunstâncias. Existe uma coisa, porém, comum a todas: a arte que as rodeia.

Ainda que o motorista do carro não se faça pedestre, tal como o ambulante não faz  parte do maior grupo consumidor da arte “acadêmica” – que fica resguardada em ambientes específicos, voltados a um público específico -, existe um tipo de produção artística que não apenas serve como aprimoramento visual do meio urbano, como também está sob o alcance de todos que passam pela região na qual ela está inserida.

A arte urbana, geralmente associada a movimentos sociais, apelos emocionais de quem a produz, representação de uma inquietação, um pensamento, um pedaço da história, entre tantas outras situações, está presente nos centros e subúrbios das cidades e é responsável pela fração de segundo em que o sujeito aperta o pause no cotidiano e, em pouco tempo, dirige o olhar para uma obra de arte. Ali entre os carros, os pedestres, os ambulantes, a céu aberto.

A liberdade de suporte, no entanto, abre margem a inúmeros questionamentos que surgem de maneira implícita ao desenvolvimento do projeto de uma arte na rua. Quem permitiu que fosse feita? Em que circunstâncias o autor daquela obra a desenvolveu? Alguém o apoia?

Para iniciar o debate acerca da valorização da arte urbana, portanto, é preciso destacar que, por mais espontânea que seja, ela não surge do nada. Por vezes, existe um profissional por trás daqueles desenhos que tem que arcar com os recursos da execução daquela obra, afinal, se ela é consumida e, sobretudo, requisitada, alguém tem que, além de fazer, financiar.

Pensando nisso, representamos essa questão com dois exemplos práticos de artistas independentes que fazem da arte o seu sustento, seja ele econômico, social, emocional, político ou terapêutico: O Lundis, do Land Art e o Gil Leros, do Graffitti.

Land Art: a arte urbana dá espaço à sustentabilidade

Em meio ao conturbado contexto da vida cotidiana na capital maranhense, a “arte da terra”, ou Land Art, do inglês original, surge como uma realidade alternativa para a proliferação da arte de modo a não danificar o meio ambiente. Na realidade, oferece exatamente a integração entre a arte e os recursos naturais, de modo a preservar o ecossistema local.

Nesse contexto, artistas locais já buscam essa iniciativa, de tal forma que aproveita os dispositivos que a natureza oferece e espalha a sua arte pela cidade. Lundis da Silva, 27, está no universo artístico há oito anos e pratica a Land Art há um ano e meio, desenhando mandalas na areia. Desse modo, ele consegue conscientizar as pessoas e fazê-las refletir sobre os cuidados com a natureza.

“O Land Art é uma arte efêmera, uma arte que não agride o meio ambiente e uma arte livre, totalmente gratuita. Serve para me conectar também com pessoas que estão passando na orla marítima. Eu faço mandalas na areia da praia. Eu desenvolvo essas mandalas com recursos da própria natureza, chego aqui sem nenhuma ferramenta, e vou procurando na beira da praia”, explicou seu processo criativo.

Além de possibilitar uma conexão entre arte e ecossistema, Lundis também aproveita para se conectar com as pessoas, ele compartilha: “Essa conexão me traz vantagem na questão de, tanto eu ter mais serviços, quanto criar a oportunidade de passar o que eu quero passar com a minha arte. Com essa intervenção artística, eu abro uma porta para te dizer sobre o meio ambiente e para te falar sobre os artistas locais. Por isso que eu me sinto bem, porque eu estou falando sobre mim e sobre o que eu faço de melhor.”

Não apenas isso, a arte feita assim, de maneira exposta na praia, também dá espaço para que a população perceba que em São Luís do Maranhão há sim uma gama de artistas talentosos e competentes, estratégia que visa romper com o movimento de supervalorização dos artistas de fora: importar mão de obra artística para desenvolver projetos que poderiam ser feitos por nativos também é uma forma de desvalorizar a arte local.

Foto: Divulgação

Graffiti sim, Grafite não

É comum, até mais do que o desejado, vermos em reportagens, matérias e textos o ato de graffitar como sendo “grafite”. Antropologicamente falando, no entanto, surgiu a necessidade de distinguir os termos uma vez que, se o termo “grafite” não é correto, entretanto, utilizado, ele precisa de um conceito. Diz-se, então, que grafite, com FITE, nada mais é que as pinturas de rua que são solicitadas pelo mercado e aclamadas pela mídia, de um modo geral.

A pauta em questão é o graffiti, escrito com FFITI: vindo do hip-hop, nos anos 70, nasceu com a finalidade de trazer, à arte, questões sociais de extrema pertinência, sobretudo, nos subúrbios dos Estados Unidos – onde a população negra era maioria. Ainda contextualmente tratando sobre conceitos e nomenclaturas essenciais para a desconstrução da confusão grafite-graffiti que vinga na sociedade até os dias de hoje, inserir o termo pichação enquanto sinônimo de graffiti se faz uma forma cada vez mais urgente de esmiuçar esse movimento enquanto um só e, claro, trabalhar o rompimento da barreira preconceituosa.

Sobre isso, Gil Leros, graffiteiro há mais de 20 anos, defende: “Graffiti e pichação, basicamente, é a mesma coisa. Só mudam as características estéticas, mas a atitude de se fazer, de ir pra rua, riscar, nasceu da mesma forma. Quando o graffiti nasce, ele nasce dessa coisa que a sociedade não gosta.”

Seja uma tag sinalizando o nome do artista, uma palavra, ou uma ilustração, o graffiti nos traz para além de um esquema visual, posto que, em sua essência, ele surge como um protesto – por vezes, a voz de um grupo se manifesta pelas cores nas paredes, em outras, uma história é contada artisticamente nos muros da cidade, e compõem o cenário urbano que será palco para histórias que ainda hão de vir.

No último caso, o novo trabalho de Gil Leros nos traz um exemplo primordial da história por meio da arte. Localizado no bairro do São Francisco, o novo mural desenvolvido pelo artista, em parceria com o coletivo Efeito Colateral, homenageia os 50 anos do hip-hop e representa as partes mais importantes do surgimento deste movimento – que também inclui a discotecagem, o rap e o breakdance.

Leros conta que a sua parte do mural, que ilustra a imagem do DJ Grandmaster Flash, é referente ao mito originário do hip-hop – o cartaz da festa realizada pelo DJ, voltada para angariar fundos para a compra do material escolar da sua irmã. “Esse é o documento mais antigo que relata essa coisa do hip-hop, essa estrutura do hip-hop de ter esse engajamento social.”, acrescenta o artista plástico.

A linha tênue entre a diversidade e a falta de oportunidade

Seja nos espaços urbanos de prédios e viadutos, ou em contato com a natureza, a partir das flores na praia, a arte simboliza a libertação do espírito humano em contato com a mais singela forma de criatividade. Milhares de artistas procuram espaço no mundo da arte local, mas encontram problemas relacionados, principalmente, com a alta valorização dos artistas de fora e a burocracia para a participação dos editais.

Sobre isso, Lundis declara: “as políticas públicas voltadas para a área da arte não facilitam os artistas. Eu falo na questão dos editais, como Rouanet, Aldir Blanc, Paulo Gustavo. Eu falo isso por experiência própria. Eu não sou uma pessoa jurídica, sou uma pessoa física. Quando a gente vai entrar nos editais e se inscrever nos editais para jogar nossos projetos, tem toda uma burocracia para pessoas que não são jurídicas.”

Um ponto importante para se destacar é a maneira como os editais de trabalhos e disponibilização de recursos não favorecem a praticidade da vida do artista. Ou seja, a ajuda dos órgãos públicos não tem sido eficaz para contribuir com o trabalho dos artistas. Em alguns casos, a quantia ofertada não é ideal para o artista, principalmente porque os custos da arte vão além da mão de obra: geralmente, envolvem também o material de trabalho, as tintas e, quando necessário, equipamentos de proteção.

  Nessas situações, quando o artista faz uma contraproposta, que considera todos esses aparatos somados à sua mão de obra, a instituição responsável não aceita, o desconsidera e busca outro indivíduo, o qual fará o mesmo trabalho por um valor irrisório para os caixas institucionais. Leros pontua: “vamos supor que a gestão pública não abra editais para graffiti, mas queira contratar um orçamento de dez mil reais, eles vão orçar com vários e optar pelo mais barato, por exemplo 500 reais. Então isso acaba criando uma estrutura de mercado que cria uma falência, uma estrutura meio desigual e fora da realidade”, exemplifica.

Leia também: Data histórica! Serviço Social comemora e faz luta política

Esses empecilhos impedem que artistas independentes tenham um maior apoio e patrocínio externo, o que dificulta o seu crescimento, em especial para os que começam agora. “É muito difícil ser artista aqui em São Luís. Por isso que a maioria dos artistas que iniciam na área da arte não consegue prosseguir, porque é muito fechado, é muito difícil. Uma dica que eu daria era facilitar a questão dos editais. Ser mais abrangente nas palavras que são postas lá no site”, sugere Lundis.

É nesse contexto, então, que urge a necessidade de voltar os olhares da arte urbana para além da beleza. O debate acerca da valorização dos artistas de rua e seu trabalho não é de hoje, mas ainda há muito a ser conquistado, principalmente, no polo maranhense: importar mão de obra e, sobretudo, importar recursos de editais de outros Estados é uma realidade que deve ser desconstruída o quanto antes, e o primeiro passo é partir, da sociedade – público consumidor das obras, no geral -, a cobrança de melhores condições de trabalho aos artistas e, indiscutivelmente, a promoção de mais oportunidades a eles dentro do nosso Estado.

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