Da Agência Tambor
Por Danielle Louise
27/01/2021
Foto: Mulhares Akroá-Gamella durante encontro da Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão. – fotógrafa: Ana Mendes
Com a vacinação acontecendo há uma semana no Maranhão, o plano de vacinação proposto pelo governo do estado está sendo contestado. No texto, é determinado que na prioridade de imunização estão inclusos apenas os povos indígenas que vivem em terras demarcadas.
Em entrevista ao Radiojornal Tambor, nesta terça-feira, 26, o coordenador do Conselho Indigenista Missionário, Regional Maranhão (CIMI-MA), Gilderlan Rodrigues, falou sobre esta situação que viola os direitos dos demais povos originários existentes no estado.
Indígenas, em carta aberta, já denunciaram este fato que chamaram de uma dupla violência.
“O plano deixou de fora os indígenas que vivem nos centros urbanos, os quais, segundo dados do Censo do IBGE de 2010, são cerca de 46% da população indígena no Brasil” ”, afirma a carta assinada pelos povos Tremembé, Akroá Gamella, Anapuru Muypurá, Kariri e Tupinambá.
Gilderlan Rodrigues apontou que o plano de vacinação do governo do Maranhão segue o plano federal.
Além disso, há outros problemas apresentados no documento, como a não explicação de como será o processo de vacinação para indígenas que vivem nas cidades. O plano também indica que apenas 19 mil serão vacinados, mas de acordo com levantamentos, no Maranhão há cerca de 40 mil indígenas em todo o estado.
O coordenador do CIMI-MA também denunciou o descaso do governo estadual no combate a Covid-19 em terras indígenas. Segundo ele, 68 deles já morreram pela doença no Maranhão e a situação é grave.
“Se não fosse os indígenas fazerem suas próprias barreiras sanitárias, a situação teria sido muito pior”, pontuou.
Ele destacou que o governo do Maranhão, percebendo o erro que cometeu, no plano de vacinação do estado, ao não incluírem indígenas que não moram em terras demarcadas, estão tentando fazer ajustes sobre este fato.
“Continuam sendo vítimas deste processo de violência e exclusão. No primeiro momento com a pandemia, agora com a vacinação”, ressaltou.
Leia abaixo a carta aberta na íntegra ou clique aqui para baixá-la em pdf:
CARTA ABERTA CONTRA A EXCLUSÃO DE INDÍGENAS DO PLANO PRIORITÁRIO DE IMUNIZAÇÃO DA COVID-19
Nós, povos indígenas do estado do Maranhão, signatários desta Carta, vimos manifestar nosso forte repúdio e indignação contra o plano Nacional de Vacinação, bem como o plano estadual de vacinação do estado do Maranhão nos quais excluem indígenas em terra não demarcada e indígenas em contexto de cidades do plano prioritário de imunização da covid-19.
Em novembro de 2020, o governo federal apresentou ao Supremo Tribunal Federal, cumprimento ao determinado no âmbito da ADPF 709 (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental), um Plano de Enfrentamento da Covid-19 para Povos Indígenas, através do Ministério da Justiça e Segurança Pública. O plano deixou de fora os indígenas que vivem nos centros urbanos, os quais, segundo dados do Censo do IBGE de 2010, são cerca de 46% da população indígena no Brasil.
Recentemente, ao reduzir a vacinação prioritária apenas ao que definiu arbitrariamente como “indígenas aldeados”, o governo federal e o governo estadual excluem grande parte da população indígena do acesso à saúde pública e, por conseguinte, dão continuidade ao processo de genocídio e extermínio dos povos indígenas.
Excluir povos indígenas do acesso à política de saúde pública por não viverem em territórios demarcados é uma afronta à Constituição Federal, e aos marcos legais internacionais. Vale destacar que os indígenas do Maranhão que estão (sobre)vivendo nos centros urbanos têm como um dos motivos para estarem nestes locais a expulsão dos seus territórios por invasores/colonizadores. Assim, com essa decisão do governo federal seguida pelo estadual somos duplamente violentados e penalizados pela omissão do governo federal que tem o dever constitucional de demarcar as Terras Indígenas, não sendo justificável a exclusão dos povos Tremembé, Anapuru Muypurá, Kariri, Akroá Gamella, Tupinambá e Warao, bem como aqueles que possuem seus territórios demarcados, mas vivem nas cidades. O fato de nós indígenas estarmos fora da aldeia não faz com que deixemos de ser indígenas.
É importante ressaltar que essa exclusão reitera todo o racismo e as dificuldades que os povos indígenas em terra não demarcadas e/ou em contexto de cidades enfrentam cotidianamente pela ausência de políticas públicas, agravada pela falta de assistência desde o início da pandemia da Covid-19. A exigência de que a terra precisa ser demarcada para o indígena ser vacinado explicita a urgente necessidade da demarcação das terras dos povos indígenas.
Desde a invasão da nossa mãe terra, sofremos pela retirada de nossos direitos, e a vacina é mais um dos nossos direitos que está sendo negado sob o argumento de não sermos aldeados em terras demarcadas.
O governo é quem decide quem deve viver e quem deve morrer? Nós povos indígenas estamos sendo sistematicamente exterminados pela política de invisibilização, negação e retirada de nossos direitos. Lamentamos muito que o governador Flávio Dino tenha seguido o mesmo plano genocida do governo federal e nos excluído do plano prioritário de vacinação.
Finalizamos apelando ao governador que, usando das prerrogativas reconhecidas pelo STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 6341 ao reconhecer a competência concorrente de governadores e prefeitos na determinação de medidas sanitárias no combate a pandemia, bem como no exemplo de outros governadores, DETERMINE a inclusão de todos os indígenas de todos os povos no grupo prioritário a ser imunizado contra o Corona vírus, afinal nossos modos de vida e a forma como historicamente fomos tratados nos colocam entre os grupos humanos mais vulneráveis.
Maranhão, 25 de janeiro de 2021
Povos Indígenas:
Tremembé
Akroá Gamella
Anapuru Muypurá
Kariri
Tupinambá
Ouça a entrevista completa em nosso TamborCast.