“Cliente tem casa invadida por motoboys após agredir um entregador!”. “Motociclista morre ao ter cabeça esmagada por ônibus!”
As duas notícias acima – veiculadas em diferentes veículos da mídia maranhense – se referem a fatos ocorridos recentemente na cidade de São Luís, num intervalo de três dias, entre 29 de outubro e 1º de novembro.
“Poderia acontecer com qualquer um de nós”. A afirmação foi de um mototaxista de São Luís, ouvido pela Agência Tambor no dia 30 de outubro, ao tratar do caso de Mateus Carvalho, que na véspera havia sido vítima de covarde agressão, conforme Boletim de Ocorrência (BO) feito na Polícia Civil.
Matheus Carvalho é um jovem de 27 anos, casado, pai de uma criança de cinco anos. Ele registrou BO falando de uma agressão sofrida no dia 29 de outubro, onde teria sido atacado pelas costas por um cliente, no momento que estava na casa deste mesmo cliente fazendo uma entrega.
Era um domingo à noite. Matheus estava trabalhando, entregando cerveja para o cliente e levou um corte na cabeça, sendo banhado de sangue, socorrido às pressas, conduzido a um pronto socorro, levando três pontos para estancar a hemorragia. O cliente se aborreceu porque o trabalhador se recusou a botar a cerveja na geladeira.
A notícia da violenta agressão contra Matheus circulou imediatamente em grupos online formados por motoboys, por entregadores de mercadorias iguais a ele.
A indignação foi enorme e a reação instantânea. Inúmeros motoboys, mais de 40 pessoas, se deslocaram até a casa onde ocorreu o problema, no bairro do Calhau, arrombaram o portão, entraram no recinto e extravasaram sua revolta. Um carro foi danificado.
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O sangue na história
O ataque contra Matheus poderia ter ocorrido com qualquer um daqueles trabalhadores revoltados. Não podemos esquecer esta colocação do motoboy ouvido pela Agência Tambor, no último dia 30 de outubro.
Violência não é a melhor solução para resolver o que tem que ser resolvido. E normalmente, como diz o adágio popular, violência gera mais violência.
Houve uma época absurda, no Brasil, que homens ricos (brancos) eram donos de pessoas escravizadas (negras).
Esses homens ricos mandavam fazer locais destinados a tortura, eram os chamados troncos (ou pelourinhos) onde eles colocavam os escravizados e mandavam surrá-los publicamente. Alguns morriam, em consequência das inúmeras agressões.
Neste mesmo período histórico, algumas pessoas escravizadas invadiam a casa dos homens ricos e reagiam as sucessivas dores sofridas no tronco e fora dele. A ação dos escravizados também era bastante violenta.
Ao tratar de casos de violência é fundamental observar as relações de poder. Saber se a agressão partiu de um opressor ou foi a reação de um oprimido. Isso faz muita diferença, sendo um agravante ou atenuante, em cada um dos casos.
A revolta dos motoboys ocorrida em São Luís e todo o caso envolvendo Matheus nos remete a este Brasil de origem brutal, escravocrata. É um país onde até hoje tem gente que acredita que pode ter um pelourinho na varanda de suas mansões….
Trânsito desgraçado
Na cidade de São Luís, no primeiro semestre deste ano de 2023, entre janeiro e junho, foram registrados 2041 (dois mil e quarenta e um) acidentes envolvendo motociclistas. Os dados são da Secretaria Municipal de Trânsito e Transportes.
Isso representa uma média de quase doze acidentes por dia, um em cada duas horas. Neste total de acidentes, 1883 (mil oitocentos e oitenta e três) pessoas ficaram feridas. E é óbvio que em alguns casos ocorrem mortes.
Na mesma semana do ataque a Matheus, três dias depois, em uma avenida de São Luís, um motoqueiro caiu e teve a cabeça esmagada por um ônibus.
A desgraça aconteceu na manhã de 1º de novembro, na movimentada Avenida Carlos Cunha, na região do Jaracaty. O nome do motociclista morto é Claudio Antônio Sodré da Costa.
Diante de sucessivos acidentes e tragédias os motoqueiros, em muitas ocasiões, ainda são culpabilizados pelo problema, quando na verdade a violência no trânsito de São Luís é resultado de uma ausência generalizada de educação e civilidade.
Humilhação e outras violência!
“Temos que entregar a comida quente e a cerveja gelada. Temos que andar rápido”. A frase de um entregador de São Luís, ouvido recentemente pela Agência Tambor, é uma pequena mostra do nível de pressão que eles enfrentam.
Entregadores de aplicativos são trabalhadores que, em tempos de uberização da mão de obra no Brasil, desenvolvem suas atividades de modo muito precarizado, enfrentando diariamente inúmeras dificuldades.
Em São Luís, além do sol escaldante ou das chuvas que caem em mais de seis meses do ano, eles ainda estão submetidos a diferentes formas de humilhação.
Em um restaurante na região do Renascença, bairro de classe média alta de São Luís, uma empresa que utiliza o serviço dos motoboys (entregadores) não oferece água, nem comida, nem banheiro. No aperreio, alguns trabalhadores chegam a urinar nos postes de energia ou nos muros das casas.
Além disso, todos os motoboys ouvidos por nossa reportagem dizem que é comum sofrerem agressões verbais de alguns clientes, incluindo insultos e palavrões.
Os motoboys de modo geral precisam ser amparados, especialmente em uma cidade com as características de São Luís. E Matheus é um dos que precisa de amparo!
Na capital maranhense, a maioria são negros, de bairros pobres, que desde criança tiveram seus direitos negados e que lutam em cima de duas rodas em busca da sobrevivência.
E eles precisam também de dignidade! O caso ocorrido envolvendo a agressão a um trabalhador e a imensa indignação de uma categoria de profissionais chamou a atenção fora do Maranhão.
O advogado de Matheus é David Pacheco. Ele diz que o caso do seu cliente “se compara ao tempo colonial”. E que o motoboy e toda sua família “estão sofrendo muito”.
Trata-se de uma denúncia que evidentemente envolve racismo, com várias consequências violentas e indesejadas.
Eu mesmo já sofri agressões verbais com ofensas,me senti humilhado por algumas vezes
Matheus merece todo o nosso apoio. O ataque sofrido por ele é revoltante e inadmissível.