Da Agência Tambor
Por Paulo Vinicius Coelho*
16/08/2021
Em 1770, Esperança Garcia, mulher negra e escravizada, enviou uma carta ao Governador da Capitania do Piauí. O documento denunciava a violência sofrida por ela e suas companheiras, solicitava a volta para a fazenda de onde havia sido retirada do convívio com o marido e também o batismo de sua filha.
A carta pode ser considerada uma petição. Por conta disso, Esperança Garcia é conhecida como a primeira advogada negra do Brasil. Além disso, ‘’foi ela que abriu o caminho para mulheres como eu’’
A declaração é da advogada e professora de direito da UNDB Heliane Fernandes. Na última quinta-feira (12), ela conversou com o Jornal Tambor sobre racismo estrutural e a luta das mulheres negras no judiciário.
VEJA ABAIXO A ENTREVISTA
Um Levantamento realizado em 2020 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontou que a equidade racial na magistratura brasileira só será alcançada no ano de 2044. Segundo o Censo do Poder Judiciário, os negros só compõem 1% dos Tribunais Superiores.
Heliane comenta que o dado revela o racismo estrutural na magistratura, fator que é refletido nas decisões do judiciário. Ela acrescenta que ‘’nós não podemos falar de acolhimento, de empatia, se o tribunal não for diverso, assim como é a sociedade’’
A advogada cita as cotas raciais para ingresso no curso superior e nos tribunais como uma das alternativas para tornar o judiciário mais igualitário, mas ressalva que além das cotas nas faculdades, é preciso garantir a manutenção de alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
Heliane também classifica como importantes a paridade de gênero (com cota de 50%) e a paridade racial (com cota de 30% para negros e pardos) nas eleições da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Ela acredita que ‘’o mundo jurídico não aceita que a diversidade seja aflorada’’ e ilustra: ‘’quando uma advogada precisa disfarçar o seu cabelo, disfarçar as suas feições para se embranquecer e ter um acesso, nós temos um grande problema’’
Além do racismo, a advogada relata o assédio e outras expressões do machismo num ambiente que ‘’sempre foi majoritariamente dominado por homens’’
Heliane reitera que é importante acionar as autoridades sempre que for vitima de racismo para quebrar a barreira do silêncio e sempre se posicionar reafirmando ‘’sou mulher, sou negra e vou exercer minhas prerrogativas de advogada’’.
Motivada pela necessidade de se posicionar e a relevância da representatividade, Heliane se coloca como pré-candidata à presidente da OAB-MA pelo movimento OAB Pela Diversidade.
A advogada acredita que a OAB precisa se preocupar com as desigualdades e resgatar o papel da instituição como defensora do Estado Democrático de Direito.
Finalizando a entrevista, Heliane destacou que é preciso falar sobre racismo de uma maneira clara para desmistificar o preconceito.
‘’Se somos todos racistas, como diz Djamila Ribeiro, precisamos adotar condutas antirracistas. Não basta só entender, só criticar, é preciso adotar outra postura no dia-a-dia’’ frisou.
* Com edição de Emílio Azevedo
Veja abaixo, em nosso canal do YouTube, na íntegra o Jornal Tambor, com a entrevista da advogada e professora Heliane Fernandes:
https://youtube.com/channel/UCSU9LRdyoH4D3uH2cL8dBuQ
Ouça abaixo, na plataforma Spotify, a entrevista de Heliane Fernandes, ao Jornal Tambor: