Skip to main content

15 anos de violências e ameaças no Quilombo Canto do Lago

A área do quilombo Canto do Lago é vista por grileiros e figuras política como estratégica pela proximidade aos Lençóis Maranhenses.

A comunidade quilombola Canto do Lago, no município de Paulino Neves, no Maranhão, vive há mais de uma década sob um cenário contínuo de violência, invasões e violações de direitos. Reconhecida pela Fundação Cultural Palmares e formada por 170 famílias, a comunidade afirma enfrentar ameaças de morte contra suas lideranças, destruição de casas e ações judiciais baseadas em documentos irregulares.

As denúncias foram relatadas por Inaldo de Jesus, liderança quilombola, e pelo advogado José Mauro de Sousa Silva, em entrevista ao programa Dedo de Prosa, da Agência Tambor.

[Veja a entrevista na íntegra ao final desta matéria.]

Segundo Inaldo, a situação se agravou desde 2010, quando começaram as ameaças diretas e as tentativas de expulsão da comunidade. Ele relata que já precisou “dormir no mato para não morrer” e que sua casa foi alvejada por tiros durante ações de intimidação. “Eu não saio mais de casa. Minha vida hoje é só ameaça. Se eu aparecer morto, não é gente de fora, é gente do poder público, porque não tenho desavença com ninguém”, afirmou.

Invasões, venda irregular de terrenos e construção de imóveis dentro da área quilombola são práticas recorrentes, de acordo com a comunidade. “O território virou comércio. Colocam placa de venda em toda parte. A gente vê carro estranho entrando e construções surgindo do nada”, contou Inaldo, destacando que grileiros e figuras políticas locais disputam a área, vista como estratégica por estar próxima aos Lençóis Maranhenses.

Um dos pontos mais graves denunciados é a participação de agentes públicos nas ações de intimidação. Inaldo afirmou que já foi agredido por um delegado durante uma tentativa de reintegração de posse e que sua casa foi invadida por policiais. “Dois policiais entraram às 11h da manhã dizendo que, se eu continuasse andando no território, iam me levar preso para Pedrinhas”, relatou.

O advogado José Mauro confirmou as denúncias e acrescentou que há “um ciclo de violência sustentado por ilegalidades e omissões”. Ele detalhou que a reintegração de posse movida contra o quilombo se baseou em um título de concessão de uso emitido irregularmente pelo prefeito, sem aprovação da Câmara, para um suposto “laranja”. A defesa conseguiu barrar a reintegração no Tribunal de Justiça, e o processo foi transferido à Justiça Federal. “No mundo jurídico, essa ação seria uma piada, porque não tem fundamento nenhum”, disse.

Mauro também aponta que a ausência de titulação definitiva pelo Incra é o principal fator que mantém o quilombo vulnerável. “O Maranhão tem centenas de quilombos esperando demarcação. Sem o título, o agro passa por cima. E o poder público municipal aproveita esse vazio para agir contra as comunidades”, declarou. O advogado relatou ainda episódios de conivência de autoridades estaduais e falta de resposta a denúncias feitas há mais de um ano.

As ameaças também chegam por meio de pressão política direta. Segundo o advogado, lideranças locais tentam convencer a comunidade a ceder parte do território para empreendimentos privados. “Queriam transformar o território em área turística, com pousadas e trilhas. Perguntei que cargos de gerência iriam oferecer aos quilombolas. Nenhum. Queriam a terra para montar uma nova senzala”, afirmou.

Apesar do cenário de insegurança, o quilombo tenta fortalecer sua organização. Uma audiência pública está marcada para 10 de dezembro, em Paulino Neves, com a presença da Comissão de Direitos Humanos da OAB. “É hora de juntar forças. Só respeitam quilombolas quando mostramos que temos voz”, disse Mauro.

Ao final da entrevista, Inaldo reforçou o pedido de apoio e proteção: “A gente quer só viver em paz na nossa terra. Que as autoridades façam seu trabalho e garantam nossos direitos”.

Assista entrevista de Inaldo de Jesus, liderança quilombola, e o advogado José Mauro de Sousa Silva concedida ao programa Dedo de Prosa, da Agência Tambor.

Inscrever-se
Notificar de
guest
0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários

0
Adoraria saber sua opinião, comente.x

Acesso Rápido

Mais buscados