
O Maranhão voltou a ocupar o centro das atenções no debate sobre a violência no campo no Brasil. Durante o V Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), realizado entre os dias 21 e 25 de julho de 2025, em São Luís, foi lançado o novo Atlas dos Conflitos no Campo Brasileiro, documento que confirma o estado como um dos mais afetados por violações sistemáticas de direitos territoriais.
O evento marcou também os 50 anos da CPT, entidade que desde a ditadura militar acompanha, denuncia e apoia comunidades camponesas em luta por terra, justiça e dignidade.

Os dados do Atlas, que cobrem o período entre 1985 e 2023, revelam que o Maranhão está entre os três estados com maior número de conflitos fundiários no Brasil — ao lado de Pará e Bahia — e liderou, em 2024, o ranking nacional, com 363 registros de disputas por terra.
A publicação escancara práticas como grilagem, despejos forçados, assassinatos e criminalização de lideranças, com agravamento das agressões nos últimos anos, especialmente após cortes em políticas públicas e avanços do agronegócio e da mineração sobre territórios tradicionais.
Para Maria Petronila, da coordenação nacional da CPT, o lançamento do Atlas em solo maranhense tem peso simbólico e político. Em entrevista concedida ao programa Dedo de Prosa, da Agência Tambor, antes do congresso, ela já alertava: “O Atlas é uma vergonha para o Estado brasileiro. Mostra que, apesar de uma Constituição bonita, os direitos dos trabalhadores continuam sendo desrespeitados”.
[Confira a entrevista na íntegra ao final desta matéria .]
O levantamento aponta que, no Maranhão, os principais autores da violência no campo são fazendeiros, grileiros, grandes empresas do agronegócio — com forte presença de monoculturas como soja e eucalipto —, e também o próprio Estado, seja por ação direta em despejos e repressões ou por omissão na regularização fundiária. Em regiões como os Cocais, o Baixo Parnaíba e o sul do estado, os conflitos se intensificam, afetando principalmente comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhas, extrativistas e quebradeiras de coco.
“O povo vai ter que fazer a reforma agrária com as próprias mãos”, afirmou Maria, ao comentar o desmonte de políticas públicas e o avanço de leis que flexibilizam regras ambientais. Segundo ela, “as cercas hoje não são só de arame: são leis e políticas que servem ao latifúndio e dificultam o acesso à terra”. A coordenadora defende que a CPT siga sendo uma aliada das comunidades na construção de alternativas sustentáveis e no fortalecimento das redes de solidariedade.
O Congresso Nacional da CPT reuniu em São Luís cerca de mil participantes, entre trabalhadores do campo, das águas e das florestas, povos indígenas, quilombolas e agentes pastorais de todo o país. Com o tema “CPT 50 anos – Presença, Resistência e Profecia” e o lema “Romper Cercas e Tecer Teias: A Terra a Deus Pertence!”, o evento promoveu momentos de escuta, celebração, feira agroecológica e partilha de experiências de luta.
Um dos pontos altos da programação foi a caminhada em memória dos mártires da luta pela terra, com destaque para o caso do quilombola Edivaldo Pereira Rocha, assassinado no interior do Maranhão. “Celebrar a memória de quem tombou é também reafirmar a ancestralidade da nossa luta. São pessoas que doaram a vida por um bem comum”, disse Maria Petronila.

O Maranhão, apesar de ser cenário de intensos conflitos, também é símbolo de resistência. Com comunidades tradicionais centenárias e uma longa trajetória de mobilização popular, o estado representa um retrato das contradições da política agrária no Brasil: de um lado, a violência estrutural; de outro, a persistência das lutas por justiça social. O novo Atlas, ao lado do Congresso, renova o chamado à urgência de uma reforma agrária popular e de um Estado que, em vez de cercar, teça caminhos com os povos do campo.