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Soja avança e cerrado agoniza: Maranhão enfrenta alerta de falta d’água

Cerrado é o segundo bioma brasileiro e é responsável pelo abastecimento de oito bacias hidrográficas no país

A expansão desenfreada do agronegócio no Maranhão, mais especificamente das lavouras de soja, acelera a devastação do cerrado e compromete as bacias hidrográficas do Tocantins e Parnaíba. A monocultura está ameaçando diretamente a disponibilidade de água no estado e, mais do que isso, em todo o Brasil.

Sem cerrado, não há água. Ele é o segundo maior ecossistema do país, e o Maranhão mantinha, originalmente, 64% de sua região coberta por essa savana. Em 2024, o Maranhão foi responsável pela perda de 225.881 hectares de vegetação nativa do cerrado, o que representa um terço do total desmatado no bioma naquele ano — o estado respondeu por mais de 33% da devastação registrada da savana brasileira no período.

Bacias em colapso e avanço da soja

Dados recentes apontam que essa devastação impacta profundamente o equilíbrio hídrico, colocando em risco não apenas o abastecimento humano, mas também a agricultura familiar e a geração de energia.

A constatação é resultado de uma investigação da Ambiental Media, veículo especializado em jornalismo científico, que analisou mais de 50 anos de dados da Agência Nacional de Águas e os cruzou com informações do MapBiomas. O trabalho publicado em 23 de junho de 2025, levou um anos para ser executado.

A pesquisa revelou que, entre 1985 e 2022, a soja cresceu mais de 22 milhões por cento na bacia do Parnaíba — que viu a área plantada saltar de 7 hectares para mais de 1,6 milhão. Essa mesma bacia registrou a maior queda de chuvas de todo o cerrado: 38%.

Segundo Fernanda Lourenço, jornalista e coordenadora editorial da Ambiental Media, entrevistada no programa Dedo de Prosa da Agência Tambor, o cerrado funciona como o “coração das águas” do Brasil. “O bioma é essencial para o abastecimento de oito das doze regiões hidrográficas do país. Sua vegetação profunda garante infiltração da água e recarga dos aquíferos. Sem esse ecossistema preservado, rios secam mesmo em períodos chuvosos”, explica.

De acordo com a entrevistada, esse processo tem relação com a vegetação nativa. “A água depende disso. O cerrado só funciona como o coração das águas quando está de pé. A soja não possui a mesma capacidade das árvores originais da região. Pelo contrário: ela apenas consome água”, afirma a jornalista.

A reportagem destaca que a vazão mínima de segurança dos rios — indicador fundamental para a concessão do uso da água — caiu 27% nas principais bacias do cerrado desde a década de 1970. No Maranhão, a bacia do Tocantins já perdeu 35% de sua vazão e a do Parnaíba, 24%. Ao mesmo tempo, a produção de soja nas duas regiões avança em ritmo desenfreado, consumindo grandes volumes de água e quebrando o ciclo natural das chuvas.

“As bacias do Maranhão apresentam os piores índices, com a maior queda de chuvas entre as seis bacias avaliadas pelo estudo”, indica a jornalista. Além de Parnaíba e Tocantins, foram estudadas as bacias do São Francisco, Araguaia, Paraná e Taquari — todas com forte ligação com o cerrado e diretamente afetadas pela devastação causada pela expansão do agronegócio.

Crise hídrica e política de ocupação

O modelo de produção predominante, baseado em monoculturas irrigadas e voltadas à exportação, se sustenta sobre políticas permissivas e, muitas vezes, sobre a grilagem de terras — agravada, no Maranhão, pela Lei Estadual de Regularização Fundiária de 2023. Essa conjuntura acelera os conflitos socioambientais, expulsa comunidades tradicionais e compromete culturas alimentares diversas, voltadas para o mercado interno e a subsistência.

Mas, de acordo com Fernanda, os estudos deixam claro que a crise hídrica não afeta apenas a população rural. A Agência Nacional de Águas projeta uma redução de até 40% na disponibilidade de água em todo o Brasil até 2040. Isso pode impactar o abastecimento urbano, a produção industrial e até a geração de energia elétrica — já que usinas como a de Itaipu dependem das águas do cerrado para funcionar plenamente.

O estudo da Ambiental Media também mostra que a legislação ambiental do cerrado é menos rigorosa do que a da Amazônia. Enquanto nesta última é obrigatório preservar 80% da vegetação nativa em propriedades rurais, no cerrado o percentual é menor e permite compensações fora da área desmatada — o que enfraquece a proteção real do território e favorece ainda mais o avanço do agro.

Diante desse cenário alarmante, especialistas defendem a criação de novas unidades de conservação, a valorização de terras indígenas e quilombolas, e a revisão do modelo de ocupação agrícola. Como ressalta Fernanda Lourenço, é hora de o Brasil se apropriar do cerrado com a mesma urgência que dedica à Amazônia: “O cerrado é o bioma do sacrifício — mas sacrificar um bioma jamais pode ser normal”.

A jornalista expõe que a MATOPIBA, acrônimo formado pelas iniciais dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, é uma política governamental de incentivo à expansão agrícola no Brasil. “A gente chama a MATOPIBA de ‘tiro de misericórdia’ em uma região que já vinha sendo devastada e, em nome da proteção da Amazônia — que é necessária —, acabou sofrendo os efeitos das políticas públicas voltadas para o avanço do agro. A maior responsabilidade sobre esses resultados ainda é do agronegócio”, conclui Fernanda.

Confira a matéria da Ambiental Media: Cerrado – o elo sagrado das águas no Brasil.
📺 Aqui a entrevista completa no programa Dedo de Prosa, da Agência Tambor.

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