Por Davi Telles, ex-presidente da CAEMA (2015/2017)
1) Nos países desenvolvidos, mais de 200 cidades, províncias e estados que privatizaram os serviços de água e esgoto viram seus serviços de saneamento piorarem gravemente e resolveram reestatizar depois.
2) Subsídio cruzado/prestação de serviços em escala/Filé X Osso: Os serviços privatizados ferem de morte um pressuposto básico para a universalização, qual seja, a prestação de serviços de água e esgoto com grande abrangência regional, o que viabiliza o chamado subsídio cruzado – pedra de toque da garantia de viabilidade desses serviços em cidades pequenas e pobres. Com efeito, por se tratarem de estruturas com investimento de capital (CAPEX) e despesa de operação (OPEX) altos, é inviável que empresas que perseguem prioritariamente o lucro invistam nessas áreas. Essa já é a realidade observada nas experiências de privatização do setor no Brasil. Na prática, as privadas só se interessam pelo filé (cidades grandes e com sistemas mais rentáveis) e o Estado acaba tendo que, sem recursos de tarifas, custear o que se chama de osso financeiro do setor. Sem água tratada, as pessoas adoecem e morrem. Não há outra palavra para resumir: é um GENOCÍDIO anunciado das populações de cidades menores e mais pobres.
3) A QUESTÃO ESTRATÉGICA DOS 2 MAIORES AQUÍFEROS DE ÁGUA DOCE DO MUNDO, QUE SÃO NO BRASIL:
Os maiores aquíferos subterrâneos de água doce do mundo estão no Brasil. São o Alter do Chão/SAGA (86 mil km³ de água) e o Guarani (45 mil km³), sendo 70% da área deste último pertencente ao Brasil. As operações dos serviços de abastecimento de água dependem necessariamento de outorga para exploração de aquíferos, sejam superficiais (corpos hídricos em geral), sejam subterrâneos (caso do SAGA e do Guarani). Ser detentor de tal riqueza natural significa responsabilidade estratégica, sobretudo num cenário de crescente escassez de água doce no mundo.
4)Por visarem prioritariamente o lucro, e não a dimensão social, as empreas privadas praticam de tarifas elevadas, como muitos sabem. Com a operação privada como regra, a tendência é que sejam realizados reajustes generalizados pelo país, afetando todas as classes sociais, sobretudo a população mais pobre.
5) O argumento de que a privatização atrai investimento privado não corresponde à realidade. Os poucos avanços obtidos nos sistemas privatizados no Brasil foram na quase totalidade realizados a partir do acesso a financiamento público com dinheiro barato.
6) Os avanços nos sistemas privatizados são parcos, sobretudo se levarmos em consideração os termos vantajosos dos contratos de concessão, os reajustes substanciais de tarifa e o acesso a dinheiro público barato. E, o pior, sempre feitos em áreas rentáveis, não priorizando nunca localidades e cidades pequenas e pobres.