Em uma audiência pública marcada por tensão e resistência, às comunidades da Reserva Extrativista (Resex) Tauá-Mirim, em São Luís (MA), se posicionaram contra o projeto de instalação do Terminal de Regaseificação de Gás Natural Liquefeito (GNL), proposto pela Lyon Capital. O evento, realizado no domingo (10), conduzido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), trouxe à tona preocupações das populações locais com o impacto socioambiental do empreendimento, evidenciando lacunas e inconsistências nos estudos de impacto conduzidos pela empresa MRS Ambiental.
As lideranças das comunidades de Embaubal, Jacamim, Amapá, Ilha Pequena, Portinho e a Ilha da Boa Razão apontaram que o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) – clique aqui e baixe – negligenciaram aspectos críticos para a vida e subsistência das comunidades que dependem dos manguezais, estuários e áreas de pesca. A falta de profundidade nas análises de riscos, segundo os presentes, reflete uma tentativa de impor o projeto sem consideração ao contexto local e aos saberes tradicionais, fundamentais para a preservação da biodiversidade e do modo de vida dessas populações.
Fotos: Justiça nos Trilhos
Beto do Taim, uma das vozes atuantes na Resex Tauá-Mirim, destacou os riscos associados ao impacto do terminal no regime de marés e na cobertura vegetal da área, um ecossistema sensível que há séculos sustenta as comunidades. “A mudança das marés, provocada pelo desmatamento e pela retirada de área para ancoragem dos navios, não afeta apenas a paisagem; afeta nossa subsistência e a integridade das águas que nos alimentam,” pontuou Beto, denunciando o que vê como um projeto que coloca o lucro acima do direito à vida.
Omissões e inconsistências no Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA)
A audiência pública também revelou preocupações quanto à transparência e qualidade dos estudos apresentados. Questões sobre a qualidade da água, o risco de contaminação de fontes naturais e a emissão de gases poluentes foram consideradas tratadas de forma superficial ou, em alguns casos, negligenciadas. A denúncia de Horácio Antunes, professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), representando o Grupo de Pesquisa GEDMMA, apontou diretamente para essas omissões: “Os documentos não deixam claro como o gás será distribuído ou transportado até as empresas beneficiárias. Este gás é poluente e esse impacto não está sendo adequadamente esclarecido.”
Fotos: Justiça nos Trilhos
Esse cenário aponta para uma crítica mais ampla ao processo de licenciamento ambiental, que, segundo os participantes, muitas vezes prioriza interesses econômicos em detrimento dos direitos e da segurança das populações locais. Horácio também reforçou a importância da consulta prévia, como estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), para garantir que as vozes das comunidades estejam integradas em qualquer decisão que afete seus territórios e modos de vida.
Impactos à saúde e à vida na Ilha de São Luís
O terminal de GNL representa uma ameaça para o que as comunidades consideram um dos últimos refúgios de biodiversidade e cultura popular em São Luís. Jercenilde Cunha, liderança que tem acompanhado os debates ambientais na ilha, emocionou os presentes ao relatar o aumento de doenças associadas à poluição na cidade. “Estamos chamando a atenção para a grave questão ambiental de São Luís, uma cidade que, aos poucos, está morrendo. Temos observado o crescimento de doenças pulmonares e câncer entre nossos companheiros. Não podemos mais perder pessoas queridas por conta da irresponsabilidade com a natureza.”
Ela destacou que o projeto, pela localização geográfica da ilha, inevitavelmente traria consequências drásticas para os moradores de São Luís. “Esses dados foram apresentados como livres de impacto? Por quantos anos essa situação será ignorada sem o devido estudo e consideração?”, questionou Jercenilde, expondo a fragilidade de um processo que, segundo ela e os estudos já realizados em instituições como UEMA, UFMA e IFMA, coloca em risco a saúde da população.
Resistência em defesa do território e dos direitos coletivos
As falas dos representantes comunitários e ambientalistas presentes na audiência refletem uma resistência coletiva e fundamentada, que se opõe ao avanço de projetos que ameaçam não apenas o território, mas a identidade e o modo de vida das comunidades tradicionais. Guilherme Zagallo, advogado ambientalista e representante do Movimento em Defesa da Ilha (MDI), criticou a falta de clareza e transparência do EIA/RIMA, considerando-o um reflexo das incoerências entre a promessa de desenvolvimento e o respeito aos modos de vida. “A poluição em São Luís já é alta, e esse projeto só aumentará os problemas que enfrentamos. É inadmissível que estudos de impacto sejam conduzidos sem o devido compromisso com a verdade e com as populações locais.”
Para as comunidades da Resex Tauá Mirim, o terminal de GNL não significa progresso, mas um ataque direto a seus direitos e um sinal de que o “desenvolvimento” está sendo construído sem diálogo e sem respeito pelas vidas que dependem de ecossistemas sustentáveis. A mobilização contra o terminal de GNL busca chamar a atenção de autoridades e da sociedade para a importância de uma gestão ambiental que valorize as populações locais e preserve a natureza.
A proposta do terminal: detalhes e expansão
O projeto prevê a implantação do terminal de GNL em uma área terrestre de quase 4 hectares e uma área marítima de 17,8 hectares, incluindo a instalação de um píer de atracação com acesso restrito por lancha. O local abrigará um navio projetado para regaseificar o gás natural liquefeito, transportado do Golfo do México. Esse terminal, que operará de forma contínua, representa uma fonte de preocupação devido aos impactos previstos na fauna, flora e, principalmente, na vida das comunidades que historicamente habitam a região.
A resistência das comunidades da Resex Tauá-Mirim é um alerta para a importância de um modelo de desenvolvimento que priorize a justiça ambiental e o respeito aos direitos coletivos, reafirmando que o progresso verdadeiro só ocorre quando inclui e protege as vozes dos que vivem e cuidam do território.
Fonte: Justiça nos Trilhos