Por *Emilio Azevedo
20/02/2021
O Brasil, país da Casa Grande e da Senzala, inicia o ano de 2021 com graves problemas políticos, sociais e econômicos. Estamos em meio a uma pandemia que já matou mais de 240 mil pessoas no país. E a extrema-direita que chegou ao Governo Federal em 2018 defende, sem qualquer constrangimento, o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional. É a mesma extrema direita que sabota vacinas, optando por aumentar a circulação de armas. No Maranhão, a estrutura conservadora segue firme, com a OAB-MA entrando na Justiça contra comunidades rurais e a Assembleia Legislativa se recusando a cumprir uma decisão judicial para fazer um simples concurso público.
Mas em 2020, a eleição municipal do Maranhão trouxe uma notícia boa. Na cidade de Itapecuru-Mirim, foi derrotado um grupo que junto acumulava mais de trinta anos de poder, unindo as famílias de Júnior Marreca, Miguel Lauande e Antônio Lages, com apoio externo do deputado federal Josimar de Maranhãozinho. Quem derrotou o bando foi Benedito Coroba. Hoje com 62 anos, o novo prefeito foi advogado de trabalhadores rurais, exerceu um mandato de deputado estadual de oposição na década de 1990 e foi, por 24 anos, um atuante Promotor de Justiça, com um trabalho reconhecido em todo o estado.
Num Maranhão de tantos enclaves econômicos, latifundiários, agiotas e antigas máfias, a eleição de figuras com a história dele alimenta esperanças por uma gestão comprometida com uma agenda popular, voltada para efetivos investimentos sociais.
Itapecuru é um município com 150 anos de fundação, que tem algo em torno de 65 territórios quilombolas reconhecidos, fora os que ainda lutam por certificação. Segundo Igor de Sousa, autor do livro Movimento Quilombola no Maranhão, Itapecuru tem um protagonismo no movimento negro do Maranhão, tendo inclusive fornecido quadros importantes para a criação do Centro de Cultura Negra (CCN) e da Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão (Aconeruq). O município tem ainda dois assentamentos acompanhados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), um deles chamado de Conceição Rosa, batizado em homenagem a uma camponesa, covardemente assassinada na luta pela terra, em 1998.
Elias Araújo, membro da coordenação estadual do MST há cerca de 30 anos, mora hoje num dos assentamentos do município. Ao falar da eleição de Benedito Coroba, ele diz que o povo de Itapecuru viu nele “uma perspectiva de mudança verdadeira”. Elias afirma que a vitória do ex-promotor “valorizou o instrumento da eleição”, pois ele fez uma campanha limpa, vencendo adversários que cometeram abuso de poder e gastaram rios de dinheiro. Além de ser dirigente do MST, Elias Araújo é agrônomo, com mestrado nessa área. E ao falar de Itapecuru, ele enfatiza a importância estratégica do município na região, na expectativa que a gestão de Benedito Coroba “possa desenvolver cadeias produtivas essenciais, com um amplo programa de soberania alimentar, além de mexer com questões fundiárias”.
Na mesma linha do dirigente do MST está o líder quilombola Francisco da Conceição, mais conhecido como Diomar. Ele é um dos fundadores da Aconeruq, ex-presidente dessa entidade e também mora em Itapecuru. Ele enfatiza que a vitória de Benedito Coroba foi muito importante para a política municipal, exatamente por ter derrotado um grupo tão atrasado, que reuniu a nata do conservadorismo local, o mesmo que há tanto tempo promove todo tipo de desmandos no município. “As organizações populares têm uma oportunidade de mudança. Espero que possa haver diálogo e união, em favor da nossa região”, diz o líder quilombola.
Um aspecto a ser levado em conta na conjuntura de Itapecuru é o poder político e econômico do grupo derrotado, com suas famílias ainda tendo deputado estadual e federal, controlando meios de comunicação no município e não querendo nenhum tipo de mudança na região.
Nessa conjuntura, um espaço simbólico é a Secretaria Municipal de Igualdade Racial, criada em 7 de novembro de 2019. O atual secretário é o quilombola Joel Marques, um dos fundadores da União das Associações e Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Itapecuru-Mirim (Uniquita) e militante do PSOL. A secretaria conta com apenas quatro servidores, além do secretário. Segundo Joel, ela está sendo estruturada na atual gestão com o objetivo de avançar em suas ações, com participação e controle social. A gestão de Benedito Coroba recebeu a maioria das escolas e dos postos de saúde nas áreas quilombolas completamente abandonados e as vias de acesso a essas comunidades também estão bastante comprometidas.
Enfim, se existe esperança em torno da atual conjuntura política de Itapecuru, está claro que há também um grande desafio. Levando em conta o complicadíssimo cenário nacional e o atraso histórico do Maranhão, vai ser preciso paciência, diálogo, organização e muito trabalho. Estou entre os que vêem o cenário do município com otimismo. E entre os que querem que dê certo!
*Emilio Azevedo é jornalista. Há onze anos atua na comunicação alternativa. Foi um dos fundadores do Jornal Vias de Fato e hoje integra a Rádio Tambor. É autor de alguns livros, entre eles “Uma subversiva no fio da história”.